terça-feira, 2 de agosto de 2011

Que não esqueçamos do imponderável















E sempre que lhe perguntavam: "O que queres ser quando crescer?", ele respondia: "Livre."

Tinha no peito essa vontade toda autêntica de ter asas, de sair e chegar sem permissão das horas, sem ter de descrever ao mundo quais desejos lhe moviam. Corajoso, sempre fora, dizia até ser sua sina. Sentia essa independência como componente do sangue. E então, sem perceber, já era homem feito, estudante de Ciência Política, quase formado e já com bom emprego. Mas nada do que pregava permaneceu como planejado, a essa altura ela já estava na sua vida. Linda, cabelos castanhos, compridos, nas costas e aquele jeito doce todo dela de piscar o olho antes de sorrir. João mudara, mudara porque o amor é reativo sobre as pessoas; há os que desmoronam, há os que se transformam, e este sem dúvida era o seu caso. Mas não é dessas loucuras metamorfósicas da água pro vinho, fora sutil, detalhe por detalhe. O homem com aspiração de ser independente pouco a pouco substituído por um rapaz preocupado, que trocava as baladas, pelas noites na companhia dela, pelos beijos, pelos abraços.

 E assim, agora toda vez que a pergunta vinha: "O que você quer ser quado crescer?" Prontamente: "Amado."

Porque sim, a vida tem dessas coisas bonitas e apaixonadas. Mas também tem das tragédias. Os últimos dois dias foram o auge do desespero. Uma daquelas imprudências corriqueiras feitas no trânsito, um acidente no cruzamento da Francisco Porto com a Melício Machado e morreu o amor de sua vida. Quando recebeu a cruel ligação, João fraquejara, faltou a coragem que sempre dispunha, sentiu o peito congelar. E não compreendia, não compreendia. As coisas acontecem, as coisas acontecem; acontecera ela na sua vida, aconteceu isso na sua vida. O que é que faria agora?

Se lhe perguntassem: "E agora, João? O que tu quer ser quando crescer?" Diria secamente: "Feliz."

A gente planeja, finge que planeja. E a cada mudança, reconstrói todos os planos e pensa que sempre foram assim. A vida não exige planos, de jeito nenhum, ela quer é que a gente resista. Ela quer que a gente saiba onde quer chegar, isso é verdade, mas jamais que escolhamos os caminhos. João, coitado do João, por três vezes acreditou nessa história do "serei" e, pior que ela, na mentira do "para sempre". Que, seja lá no que ele acredite, lhe proteja. Que nós finalmente entendamos que o ceticismo também é uma arma, e que vida não ensina, ela simplesmente prega.



#Pauta para Blorkutando

4 comentários:

renatocinema disse...

Que o caminho de Vinicius encontre um bom caminho, assim como o projeto, que eu gosto muito.

Ray C. disse...

Nossa! Isso foi... Nossa! Brilhante. Que texto lindo, belíssimo, incrível. Adorei sua forma de escrever. Fui entrando no texto, na historia, imaginando João e sua menina e até arrepiou quando vi ali que ela morreu. Achei que o final seria algo tipo ‘e ele foi amado por ela até o dia de sua morte’, algo assim. Surpreendeu. Parabéns, escreves muito bem.

Jéssica Trabuco disse...

E nós temos é que nos preparar todos os dias para essas peças que a vida nos prega.

Letícia R. disse...

ARRASOU!