sexta-feira, 24 de junho de 2011

O elo de ligação


Havia aquela levíssima sensação de boca seca e de repente, por admiração, a boca de Otávio estava entreaberta.
- Maria Gabriela Martins! – Exclamou sussurradamente para si mesmo.
Maria Gabriela era uma mulher de vinte e sete anos, filha de bancários. Extrovertida, de uma personalidade única e forte, era alta, de cabelo longo e castanho escuro com um corpo cheio de curvas. Seus olhos eram da cor da noite e provocavam admiração por onde passavam. Ela sabia chamar atenção. Cheia de amigos e ex namorada de Flávio Vilela, o homem de vinte e nove anos, moreno alto, de costas e peitoral largo que considerava Otávio como seu melhor amigo.
- Ei! – Chamou Otávio, fazendo com que Maria Gabriela parasse, olhando para o lado. Ela o fitou com aquela cara que perguntava se era com ela que ele falava. Mas teve certeza quando ele foi se aproximando. – Maria Gabriela Martins, certo? – Continuou – Não se assuste, sou Otávio Gomes. Estou certo de que Flávio já falou de mim pra você. – Sorriu descaradamente.
- Ah sim, Otávio! – Ela esboçou um sorriso, contente por finalmente conhecer o melhor amigo de seu ex namorado. Realmente, Flávio me falava bastante de você. Sempre quis te conhecer, mas nunca deu certo...
- Flávio era um egoísta. – Interrompeu-a. – E posso dizer que tinha um ciúme obsessivo por você. Me mostrou fotos suas, mas você é muito mais linda pessoalmente. Vejo agora que meu amigo tinha razão para tanto ciúme.
Ela desmanchou o sorriso que a pouco esboçava. Sentiu malícia naquelas palavras que acabara de ouvir e o olhar que se fixava no dela a fez se arrepiar por um instante. Era um olhar perverso, sombrio e ao mesmo tempo cruel, assim como era a personalidade de Otávio. Mas Maria Gabriela não conhecia essa personalidade. Ainda.
Nisso, Otávio estava com as mãos atrás das costas.
- Ora, não se intimide. Flávio sempre me disse que você não era tímida.
E de fato ela não o era. Mas não era vergonha o que ela sentia. Era medo.
- Venha cá, me dê um abraço! – Disse sorrindo furtivamente, enquanto apenas um braço se estendia para abraçá-la. Encostou-se a ela, envolvendo-a.
Nesse mesmo instante, Flávio que voltava da padaria que ficava próxima, reconheceu Otávio de costas. E reconheceu o rosto de Maria Gabriela no ombro direito do mesmo. A boca dela estava entreaberta e os olhos um tanto arregalados.
- Otávio! – Gritou Flávio.
- Fique calmo, meu amigo. Ela não te deixará mais impaciente. Não a verá mais com outro homem. E eu esquecerei que um dia você namorou uma mulher bonita assim.
- Calma... paciência é uma virtude. E sorte de quem tem. – Dizia enquanto se aproximava com olhos fuzilantes. – Tire as mãos dela!
Otávio não era tão alto quanto Flávio. Nem tão forte. Era loiro e um tanto franzino, de aparência tranqüila. Mas seus olhos revelavam perigo. Um perigo que Flávio jamais desconfiara. Era quieto. Mas de cabeça com os barulhos mais absurdos que uma mente poderia ter. Orgulhoso e cheio de uma inveja que mal lhe cabia.
- Você quem pediu! – Falou em resposta, soltando-a.
Flávio quase caiu junto ao ver o corpo de Maria Gabriela tombar no chão. Havia um punhal cravado em um dos seus pulmões. Olhava sem piscar com os olhos tremeluzentes para o corpo da mulher que ainda amava. Quando caiu em si, avançou com as duas mãos no pescoço de Otávio.
- Por que você fez isso?
- Eu nunca te disse. Mas nunca gostei do fato de você ter uma namorada bonita e eu nem conseguir namorar. – Dizia sufocado pelas mãos que lhe apertavam o pescoço.
- Devia ter me matado em vez de tirar a vida da mulher que eu amo! Idiota! – Gritava furioso, inconformado. – Achei que fôssemos amigos!
- Poxa, Flávio. Minha mãe me ensinou desde pequeno a não confiar tanto nas pessoas.
- Invejoso, fracassado desgraçado! – Falava impulsivamente. Sua raiva era tanta, que apertou mais ainda as grandes e fortes mãos no pescoço do amigo. Um último sussurro sufocado e o corpo de Otávio não estava mais firme para se manter de pé. Livre das mãos de Flávio, tombou ruidosamente no chão, batendo a cabeça.
Olhou para Maria Gabriela. E então as lágrimas que estavam presas em seus olhos, desprenderam-se. Agachou-se ao lado dela passando um braço por baixo de seu pescoço, abraçando-a, de modo que a cabeça dela se encostou a seu peito. Passou o outro braço por trás das costas, envolvendo-a. Viu o punhal que havia perfurado seu pulmão e tirado o mel de sua respiração. Soluçou chorando, desconsolado. E então respirou fundo, tomando coragem. Retirou o punhal. Deitou-a cuidadosamente no chão e beijou-lhe sutilmente nos lábios carnudos. Lembrou-se da última vez que a havia abraçado. Era verão. Eles namoravam. E estavam vivos. Uma de suas lágrimas escorregou de seus olhos e caiu na face de Maria Gabriela. Olhou-a e a admirou pela última vez.
Mais uma inspiração profunda e apanhou o punhal do solo. Fincou-o furiosa e dolorosamente no peito. E a mesma ponta que matou Maria Gabriela, matou-o também.
Porque havia um elo de ligação. Otávio matou Maria Gabriela por ciúme e inveja. E Flávio tirou a própria vida, por não suportar a idéia de não poder mais ver a ex namorada que ainda tanto amava.


Pauta para Suas Palavras



2 comentários:

renatocinema disse...

Adoro os contos desse site.

Possuem, algumas vezes, pitadas de meu ídolo Nelson Rodrigues. Muito amor, sangue, traição, morte e emoção.


Parabéns Letícia

Shuzy disse...

Trágico e forte.
Gosto de escritos assim...