terça-feira, 11 de dezembro de 2012

O que não é feliz para todos


A multidão que se movimentava como um formigueiro na longa rua não percebia que aquele entardecer de sexta vinha trazendo uma noite pesadamente infeliz.
Uma semana para o Natal e as lojas da cidade já estavam ficando abertas até mais tarde. Muita gente entrando aqui e ali, rindo, falando alto... Uns cheios de sacolas, outros sem nenhuma - porque estavam decidindo o que comprar. Alguns comiam guloseimas... e outros bebiam seus refrigerantes de latinha e jogavam esta em qualquer canto do chão mesmo, como se não houvessem lixos em cada esquina... E foi uma. Uma garotinha que um homem alto, moreno e agora muito forte notou - recolhendo as latinhas do chão e jogando-as num saco preto que era bem maior que seu tamanhozinho – quando ia jogar sua latinha vazia na sarjeta da calçada e olhou para o lado direito. Virou-se para a criaturinha, que olhou de sua mão que segurava a latinha para seus olhos surpresos de impacto de uma lembrança. Ela estava apenas esperando que ele jogasse o material para apanhá-lo e então seguir pela rua com seu trabalho.
Mas ele não jogava. E ela não saía dali. E se encararam demoradamente por alguns rápidos segundos. Olhou piedosamente naquele rostinho sujo, cuja sujeira não era por se lambuzar com comida, mas por trabalhar muito e tomar pouco banho...  Os olhinhos, um oceano profundo de tristeza... e os lábios moldados por choros, certamente. O cabelinho negro e liso, todo desgrenhado. E a roupinha mais parecia um desprezível pedaço de pano, gasto e sujo demais. Ah, quanta coisa aquele homem viu e sentiu apenas numa furtiva troca de olhar com aquela criança!
Quando ela baixou os olhos para os pezinhos descalços, esperando, ele tocou no alto de sua cabeça.
- Por que está fazendo isso, pequena? – O homem perguntou intrigado, guardando sua revolta para quando tivesse certeza de que aquela pobre menininha trabalhava a pedido dos pais viciados em seja lá o que fosse.
- Eu disse pra mamãe que quero uma blusinha nova de presente de natal, é o que vou pedir pro Papai Noel. Mas ela disse que a mais barata sai muito cara, e que se eu quisesse mesmo teria que dar um jeito de ajudar o bom velhinho deixando o que eu conseguisse na estante de casa.
- E o que sua mamãe e seu papai fazem?
- Nunca conheci meu pai, mamãe disse que ele mora no céu. E o que ela faz é tentar não deixar a gente ir pra lá também, porque passamos muita fome. Até que a gente consegue algumas coisinhas pra comer quando reciclamos uns materiais que achamos nas ruas. E pra ter minha blusinha vai ser assim também... – A garotinha suspirou triste rapidamente e soltou o que talvez lhe fizesse refletir o tempo todo – O Papai Noel é rico pra muita gente, dá presentões. Mas eu tenho que ajudar ele a comprar o meu. Eu, que mal tenho o que comer... Não consigo entender. – concluiu inocentemente fazendo biquinho.
- Nem eu. Sempre pensei nisso desde quando eu era pequeno como você -  Revelou o homem que teve a infância como a dela. A diferença é que seus pais além de miseráveis, viveram bêbados até que a cirrose os matou. Já a mãe da garotinha batalhava de sua forma pela vida delas.
Então jogou sua latinha no saco preto que a pobre criança segurava mantendo aberto.
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Hoje fazia exatamente cinco anos desde que aquele homem, Alberto, se deparara com aquela criança que agora já deveria ser uma mocinha. O Natal, assim como o dia-a-dia, não é feliz para todos. Sua infância, e tanto a daquela garotinha quanto de muitas outras, contraria toda a cena colorida que só os ricos, despreocupados ou menos observadores conseguem enxergar. Parecem invisíveis, mas elas estão lá, as crianças pobres, nas ruas, ganhando a vida e dando os próprios sorrisos com o que a maioria joga no chão porque não lhe é mais útil.

Um comentário:

renatocinema disse...

Ufa.......que bom voltar a entrar e ler esse site. As aulas na universidade me impediam: VOLTEI.


ABRAÇOS A TODOS.