sábado, 17 de novembro de 2012

A Penteadeira

 
 
   Vejo-a entrar no cômodo. É uma mulher alta, negra, magra. Os cabelos, cacheados e volumosos, cumprem a sua função: delinear-lhe o rosto. É lindíssima! Usa uma camisola amarela. É hora de dormir. Procura a cama e não a encontra. Ali há somente uma cadeira e uma penteadeira. Sobre ela, a escova. A mulher se senta diante do espelho, e se olha nos olhos. Não sorri! Não tem expressão alguma. Não nos conhecemos. Ela sequer imagina que existo. Só eu posso vê-la.
   Espanta-se! Passa as mãos sobre o espelho. Está quebrado.
   Indaga-se:
_ Como se quebrou?
_ Oras! – responde o reflexo. – Quebrando-se!
_ Quero detalhes.
_ Acredito que o deixaram cair.
_ Quem?
_ Você.
_ Deve estar enganada! Sempre tomo cuidado com aquilo que tenho.
_ Não estou! Há muitos anos você o derruba e permite que outros também o façam.
_ Poucas pessoas entram aqui. Apenas meu marido e nosso filho. Não abro meu quarto às visitas.
_ Ambos já o quebraram diversas vezes! Ele tem sido danificado desde o seu nascimento.
_ Meu Deus! Não consigo me lembrar. Estou louca?
_ Não. Apenas cega.
_ Mas eu a vejo!
_ Enxerga o exterior. Só...
_ E que mais devo enxergar?
_ Feche os olhos e logo verá!
   A mulher os fecha. Rompe-se. É, agora, vazio. Eu não a vejo mais. Vejo o cômodo, a cama, o armário.
   Vejo, também, a penteadeira. Sobre ela, a escova.

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