quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Jandira: A Motorista


Ao perceber que os últimos raios de sol se despediam na linha do horizonte, Jandira sorriu entusiasmada e fitou o relógio na parede do quarto. Não teria muito tempo. Apressar-se-ia ou perderia o ônibus.
   Correu ao espelho e analisou-se: cabelos cacheados, lábios fartos e olhos sagazes. Faltava apenas um toque para realçar sua beleza: o batom. Passou-o sem delongas, ajeitou o vestido florido, borrifou um pouco de perfume no cangote e pegou a bolsa.
   Pronto! Estava linda.
   Dirigiu-se à sala de estar aonde encontrou Gloria assistindo televisão.
_ Mãe, vou ao mercado – anunciou. – Precisa de alguma coisa?
   A mulher olhou-a de cima a baixo, respondendo-a com outra pergunta:
_ Você vai comprar os ingredientes para o bolo que devo entregar amanhã?
_ Sim. Acredito que os produtos estejam em promoção.
_ E precisa arrumar-se tão bem?
_ Não gosto de andar desleixada – contestou com humor. – Até logo!
_ Até...
   Jandira abriu a porta e saiu rapidamente.
   Ela e a mãe moravam em um pequeno sobrado acinzentado, próximo à Praça da Baleia, no Bairu. Eram conhecidas por venderem bolos e doces que elas mesmas faziam há mais de uma década. Encomendas não faltavam e todos diziam que ambas possuíam mãos abençoadas.
   Já na rua, Jandira exalava alegria e satisfação. Dentro de cinco minutos, tomaria o ônibus 215 e deslocar-se-ia pela Av. Rio Branco. Amava aquele passatempo! Tanto que recusava toda a sorte de convites apenas para perambular, acomodada em um confortável assento de ônibus, pelas ruas da cidade. Ia de norte a sul, leste a oeste, sempre muito bem vestida, estampando um largo sorriso.
   Inclusive, fizera amizade com um casal de aposentados: Aquino e Eleonora. Eles possuíam a mesma paixão que ela.
_ Que prazer revê-la! – exclamavam sempre que a encontravam. – Não demora muito e você, assim como nós, saberá o nome de todas as ruas de Juiz de Fora.
   Os olhos de Jandira brilhavam de excitação todas as vezes que ouvia aquela previsão. O que ela não sabia, entretanto, era o tempo que levaram para conseguir tal façanha: trinta e cinco anos, nove meses, três semanas e dois dias.
   Chegando ao ponto, ela não precisou esperar muito. O ônibus apontou pela curva e a moça, extasiada, estendeu o indicador direito, sinalizando-o que parasse.
   Ao adentrar-lo pela porta frontal, sentiu-se no paraíso!
_ Boa noite – disse ao motorista.
_ Obrigado – agradeceu ao trocador.
   Assentou-se nos fundos do veículo. De lá, poderia fitá-lo por completo e deliciar-se com o ininterrupto vai-e-vem de passageiros.
   Após vinte minutos, chegou ao mercado. Comprou todos os ingredientes necessários e, de quebra, levou o jornal do dia. Abrindo-o enquanto regressava a casa, dessa vez no ônibus 226, vislumbrou algo que quase a fez irromper em lágrimas:

ASTRANSP contrata motoristas de ônibus.
Homens e mulheres interessados devem deixar currículo em nossas dependências.
 
   Naquele momento, uma faísca correu seus olhos e, após mordiscar o lábio inferior por dois ou três segundos, murmurou:
_ Serei uma motorista!
   O que se passou a seguir foi uma das histórias de maior obstinação já assistidas pelos moradores de Juiz de Fora. Jandira arrumou emprego como operadora de telemarketing e continuou, durante os finais de semana, auxiliando a mãe com os doces. Assim pôde custear a auto-escola e praticar à exaustão.
   Não tardou, conquistou a habilitação B: veículos onde o peso bruto total é menor que três mil e quinhentos quilos, com capacidade de lotação menor que oito lugares.    Algum tempo depois, chegou a C: veículos utilizados para o transporte de carga com peso bruto total maior que três mil e quinhentos quilos.  Até que, finalmente, logrou a D: habilitação concedida às pessoas que querem dirigir ônibus, vans e afins utilizados no transporte coletivo.
  Com carteira na mão, Jandira esperou o dia “D” e, quando deu por si, já dirigia, majestosamente, um ônibus de linha azul. Buscava e trazia centenas de passageiros, conduzindo-os aos mais variados lugares.
_ Esta menina é o nosso orgulho! – diziam Aquino e Eleonora sempre que a encontravam oculpando o lugar de motorista.
_ E o meu também – replicava Gloria toda vaidosa. Vale ressaltar, que ela fora apresentada ao casal de aposentados e tornaram-se grandes amigos. Todas as vezes que estava estressada ou chateada convidava-os a um bom passeio de ônibus.
_ Não há nada mais relaxante – costumava dizer com um largo sorriso nos lábios e brilho nos olhos.
   Com o tempo, Jandira observou os problemas do trânsito e a imprudência dos pedestres. Tornou-se ativista, criou uma ONG e fez inúmeras palestras visando conscientizar as crianças sobre a importância de se dirigir com responsabilidade, seguindo as normas estabelecidas.
   O seu trabalho foi tão aclamado que virou até notícia do Jornal Nacional.
_ Pesquisas apontam: Jandira Silva a maior motorista de ônibus do Brasil – anunciou Willian Bonner, enchendo de alegria os corações juiz-foranos. 

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