Ao perceber que os últimos raios de sol se
despediam na linha do horizonte, Jandira sorriu entusiasmada e fitou o relógio
na parede do quarto. Não teria muito tempo. Apressar-se-ia ou perderia o
ônibus.
Correu ao espelho e analisou-se: cabelos cacheados, lábios fartos e
olhos sagazes. Faltava apenas um toque para realçar sua beleza: o batom.
Passou-o sem delongas, ajeitou o vestido florido, borrifou um pouco de perfume
no cangote e pegou a bolsa.
Pronto!
Estava linda.
Dirigiu-se à sala de estar aonde encontrou Gloria assistindo televisão.
_ Mãe, vou ao mercado – anunciou. – Precisa
de alguma coisa?
A mulher
olhou-a de cima a baixo, respondendo-a com outra pergunta:
_ Você vai comprar os ingredientes para o
bolo que devo entregar amanhã?
_ Sim. Acredito que os produtos estejam em
promoção.
_ E precisa arrumar-se tão bem?
_ Não gosto de andar desleixada – contestou
com humor. – Até logo!
_ Até...
Jandira abriu a porta e saiu rapidamente.
Ela
e a mãe moravam em um pequeno sobrado acinzentado, próximo à Praça da Baleia,
no Bairu. Eram conhecidas por venderem bolos e doces que elas mesmas faziam há
mais de uma década. Encomendas não faltavam e todos diziam que ambas possuíam
mãos abençoadas.
Já
na rua, Jandira exalava alegria e satisfação. Dentro de cinco minutos, tomaria
o ônibus 215 e deslocar-se-ia pela Av. Rio Branco. Amava aquele passatempo!
Tanto que recusava toda a sorte de convites apenas para perambular, acomodada
em um confortável assento de ônibus, pelas ruas da cidade. Ia de norte a sul,
leste a oeste, sempre muito bem vestida, estampando um largo sorriso.
Inclusive,
fizera amizade com um casal de aposentados: Aquino e Eleonora. Eles possuíam a
mesma paixão que ela.
_ Que prazer revê-la! – exclamavam sempre
que a encontravam. – Não demora muito e você, assim como nós, saberá o nome de
todas as ruas de Juiz de Fora.
Os
olhos de Jandira brilhavam de excitação todas as vezes que ouvia aquela
previsão. O que ela não sabia, entretanto, era o tempo que levaram para
conseguir tal façanha: trinta e cinco anos, nove meses, três semanas e dois
dias.
Chegando ao ponto, ela não precisou esperar muito. O ônibus apontou pela
curva e a moça, extasiada, estendeu o indicador direito, sinalizando-o que
parasse.
Ao
adentrar-lo pela porta frontal, sentiu-se no paraíso!
_ Boa noite – disse ao motorista.
_ Obrigado – agradeceu ao trocador.
Assentou-se nos fundos do veículo. De lá,
poderia fitá-lo por completo e deliciar-se com o ininterrupto vai-e-vem de
passageiros.
Após vinte minutos, chegou ao mercado. Comprou todos os ingredientes
necessários e, de quebra, levou o jornal do dia. Abrindo-o enquanto regressava
a casa, dessa vez no ônibus 226, vislumbrou algo que quase a fez irromper em lágrimas:
ASTRANSP contrata
motoristas de ônibus.
Homens e mulheres
interessados devem deixar currículo em nossas dependências.
Naquele
momento, uma faísca correu seus olhos e, após mordiscar o lábio inferior por
dois ou três segundos, murmurou:
_ Serei uma motorista!
O
que se passou a seguir foi uma das histórias de maior obstinação já assistidas
pelos moradores de Juiz de Fora. Jandira arrumou emprego como operadora de
telemarketing e continuou, durante os finais de semana, auxiliando a mãe com os
doces. Assim pôde custear a auto-escola e praticar à exaustão.
Não tardou, conquistou a habilitação B: veículos onde o peso bruto total
é menor que três mil e quinhentos quilos, com capacidade de lotação menor que
oito lugares. Algum tempo depois,
chegou a C: veículos utilizados para o transporte de carga com peso bruto total
maior que três mil e quinhentos quilos.
Até que, finalmente, logrou a D: habilitação concedida às pessoas que
querem dirigir ônibus, vans e afins utilizados no transporte coletivo.
Com carteira na mão, Jandira esperou o dia “D” e, quando deu por si, já
dirigia, majestosamente, um ônibus de linha azul. Buscava e trazia centenas de
passageiros, conduzindo-os aos mais variados lugares.
_ Esta menina é o nosso orgulho! – diziam
Aquino e Eleonora sempre que a encontravam oculpando o lugar de motorista.
_ E o meu também – replicava Gloria toda
vaidosa. Vale ressaltar, que ela fora apresentada ao casal de aposentados e
tornaram-se grandes amigos. Todas as vezes que estava estressada ou chateada
convidava-os a um bom passeio de ônibus.
_ Não há nada mais relaxante – costumava
dizer com um largo sorriso nos lábios e brilho nos olhos.
Com o tempo, Jandira observou os problemas do trânsito e a imprudência
dos pedestres. Tornou-se ativista, criou uma ONG e fez inúmeras palestras
visando conscientizar as crianças sobre a importância de se dirigir com
responsabilidade, seguindo as normas estabelecidas.
O
seu trabalho foi tão aclamado que virou até notícia do Jornal Nacional.
_ Pesquisas apontam: Jandira Silva a maior
motorista de ônibus do Brasil – anunciou Willian Bonner, enchendo de alegria os
corações juiz-foranos.
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