_ Aeroporto internacional, por favor – diz
Luiz ao taxista taciturno, acomodando-se jeitosamente no banco traseiro do
veículo e valendo-se de um espanhol mavioso, quase sem sotaques ou exageros,
conquistado por longos anos de estudo e contato diário com o idioma.
O
motorista, baixo e corpulento, coça o espesso bigode de fios acinzentados e
coloca o carro em movimento. Não inicia qualquer tipo de conversa. Mantém-se
calado, indiferente ao passageiro e às longas ruas e avenidas de Buenos Aires.
Parece que o hábito tirou-lhe o dom de admirar o lugar que vive e as vidas que
transporta. É vítima do grande mal: o tédio que se mescla à rotina corroeu-lhe
as cores e os sabores dos momentos espantados. Até mesmo os aromas lhe resultam
iguais. Os seus olhos lúcidos fixam adiante. Apenas. Fixam o itinerário ao Aeroporto
Internacional de Ezeiza e já vislumbram de relance os pesos que receberá por
essa corrida.
Luiz, por seu turno, vibra intimamente. O senhor antipático que o
conduz, não lhe importuna com conversas triviais, indagando-lhe a vida ou
falando de tempo e futebol. Não quer falar. As olheiras escuras que lhe
acentuam os olhos desesperados falam por si. Gritam por si! Imploram por um
socorro que não chegará. Não há caminhos, alternativas ou saída.
Resignar-se
à despedida. É o que resta e salva.
Com paciência cristã, tenta o impossível: fixa o olhar em cada
construção, graciosa ou não, que se ergue pela lateral esquerda das alamedas
que atravessa. Nem os descuidados terrenos baldios que, quando em vez, se
exibem, lhe escapam aos sentidos. Tudo procura abraçá-lo com braços fortes,
sugá-lo ferozmente de volta ao mundo que, afobado e inseguro, deixa.
São as últimas impressões. Eternas. Imutáveis.
Equivocam-se
aqueles que afirmam que a primeira impressão é a que fica. Mentira! A que fica,
verdadeiramente, é a última – ela jamais terá chance de mudança.
A
multidão de traunsentes caminha urgente ao longo das calçadas. Todos exibem um
tom de melancolia ao mirarem suas figuras refletidas, seja nos vidros límpidos,
seja nos olhos de algum outro passante. Poucos sorriem e, quando o fazem, é com
pesar. Sorrisos pesados. Luiz inveja-os por um momento. Felizes ou não,
caminhando por querem ou não, vivem. Tem o direito à vida e o cumprem, ora
valorizando-a, ora desperdiçando-a.
Houve o tempo em que Luiz se regojizava com desperdícios vitalícios. Não
os tolera mais! Não pode mais. Quem os faz é porque pode. Ele, absolutamente,
não pode.
Anita.
Como ficará Anita?
Prefere não pensar. É melhor não pensar. Quando amamos alguém e não
podemos levá-lo ao local aonde vamos – sem volta –, a dor se instala de maneira
a acinzentar todos os arredores, todo o futuro.
É
preciso viver, entretanto. Carregando o sinônimo de amor, dor, vive-se e bem!
Fingi-se bem: felicidade.
O
veículo se amansa e para, informando-o que o itinerário fora cumprido. Agora:
Brasil, Rio de Janeiro, pessoas, vidas.
Anita não estará lá.
O
motorista, ainda antipático, entrega-lhe as malas e informa o valor a ser pago.
Luiz deixa o troco como gorjeta. Crepúsculo. O céu alaranjado flutua sobre sua
cabeça. Ele é eterno. Não morrerá. O sol, sim... O taxista sorri. Luiz
espanta-se.
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