sábado, 25 de agosto de 2012

Eu, Escritor

 
 
“Letras! Letras! Letras!” exalto-me, atirando a caneta pelos ares. Pah! Atiro o caderno, capa negra, páginas esbranquiçadas. Pah!
   Um quase silêncio rodeia-me: imponente. Digo um quase silêncio, pois o ar corre voluptuosas mãos pelas frestas da janela. Assanha-se. Trepida-se. Grita-se toda. Ao longe, carros passam efêmeros, voltam pessoas. Não silenciam jamais. Não me importo.
   “Ouça-nos!”
   “Calem-se!” urro, esmurrando o móvel.  
   Não me obedecem.
   Desrespeitam-me cá dentro no íntimo. Observo-as. Deduzo ladinas personagens. Ousam-se atrevidas! Perambulam tais formigas, fazendo-me formigueiro. Matar-me-ão?
   Não me obedecem.
   Vivem em mim, dentro de mim e não querem mais fazê-lo. Torturam-me. Como me torturam! Querem sair. Apenas...
   O sacerdote, católico apostólico romano, olha-me, por dentro, complacente. Não se enoja. O costume o acostumou ao âmago. A meretriz, não vadia, se não meretriz, arranha-me as costas com olhos provocantes, mecânicos. O costume acostumou-a ao forçado. O homem, pernicioso, fita-me curioso e, em lampejo de malícia, sorri. Temo-o. Pode ferir-me, visto que seus olhos são de morte.
   Levanto-me. Apanho a caneta e o caderno, capa negra, páginas esbranquiçadas. Estou resignado a elas, personagens.
   Escrevo: o padre, a prostituta, o assassino...
   “Letras! Letras! Letras!” exalto-me, atirando a caneta pelos ares. Pah! Atiro o caderno, capa negra, páginas esbranquiçadas. Pah!
   Um quase silêncio...

Um comentário:

Thuan Carvalho disse...

Eis a inspiração.

Extremamente inspirador seu texto.
Muito bom.