Mantendo-se cabisbaixa e apagada, Maria Helena
fitou as cortinas do grande teatro “Ganger” se fecharem.
Com a
união dos panos e o recesso de poucos aplausos abafados, suspirou aliviada e
dirigiu-se ao camarim. Durante o trajeto ignorou os suplicantes chamados dos
colegas de trabalho, dizendo em alto e bom tom:
_ Não atenderei ninguém!
A
equipe olhou-se entristecida, respeitando a decisão.
Há
poucos dias, ela estreara um monólogo de sua autoria, intitulado “Fantasia”. A
platéia o adorara, aplaudindo-a de pé. Contudo, a crítica especializada
destruíra-o, menosprezando desde o cenário até suas entonações. Como resultado,
pouco a pouco, o teatro esvaziou-se e a temporada teria de ser cancelada. Hoje,
o último espetáculo fora apresentado. A atriz sentia-se destruída.
Trancando-se à chave, assentou-se diante do espelho e observou a maquiagem
escorrer juntamente com as lágrimas que banhavam o rosto jovem e belo. Como
podiam ter sido tão cruéis? O quê ganhavam com isso? Prestígio, prazer,
atenção? Essas perguntas fervilhavam em sua mente, aumentado sua indignação.
De um
momento ao outro, ouviu algumas batidas na porta e percebeu que alguém
movimentava a maçaneta, tentando abri-la. “Devem estar preocupados,” pensou. Um
pouco a contragosto, levantou-se e destrancou-a.
_ Perdão. Sei que não deseja receber ninguém,
entretanto, Marisa Bittencourt está aí e insiste em falar com você – anunciou
Renata, uma funcionária, estalando os dedos nervosamente.
Maria
Helena assustou-se. Marisa era uma das atrizes brasileiras mais respeitadas de
todos os tempos. Comumente, protagonizava novelas, peças teatrais, filmes
nacionais e, até mesmo, internacionais.
Atordoada, limpou as lágrimas e respondeu:
_ Mande-a entrar, por favor.
Renata obedeceu-a, e em menos de dois minutos, Marisa entrou no cômodo,
dizendo:
_ Boa noite, Helena. Fico feliz por
receber-me.
_ Boa noite, Marisa. Eu é que me alegro –
respondeu timidamente.
_ Infelizmente, só pude assistir ao espetáculo
hoje, em seu último dia. Venho dizer-lhe que estou em total desacordo com os
críticos. Você é maravilhosa! – parabenizou Marisa, batendo palmas animadas.
Vendo
a sinceridade em seu rosto, Maria Helena, fragilizada, não se conteve. Deu
vazão aos dissabores, chorando copiosamente. Marisa correu ao seu encontro e
limpou suas lágrimas.
_ Minha querida, você é uma estrela! Pare de
perder tempo com lamentações e rancores. Essa temporada terminou, mas outras
virão – confortou-a.
_ Acho que ninguém quererá assistir-me
novamente.
_ Não fale isso. Assim como eu, o público
acredita em você. Fantasia, apesar de elegante e bem escrita, é uma peça de
apelo popular. A crítica desdenhou e muitas pessoas acreditaram. Entretanto,
você ainda possui admiradores e fãs. Dê o seu melhor a eles.
_ Não entendo como podem ter sido tão atrozes
comigo – retrucou Helena, parecendo não escutá-la. – Passei meses escrevendo,
ensaiando, produzindo cada detalhe do espetáculo. No fim, ganho isto: o
fracasso. A língua ferina de alguns destruiu cada gota de suor que investi.
Marisa olhou-a com olhos ternos, lembrando-se das muitas vezes que passara
por isso. Os críticos pensavam que os artistas, de forma geral, possuíam nervos
de aço e corações de pedra. Julgavam-nos sem dó ou piedade, desmoralizando-os
diante do público.
_ Entendo perfeitamente sua indignação, Maria
Helena. Há muitos anos atrás, minha mãe adoeceu gravemente e, sem fundos para
suprir as despesas, pois naquele tempo éramos muitos pobres, estreei um lindo
musical planejando juntar uma boa quantia para pagar-lhe o tratamento. Contudo,
os jornais destruíram a peça e, em menos de três semanas, a temporada foi
cancelada. Poucos dias depois, minha mãe faleceu e entrei em grave estado
depressivo.
_ Meu Deus! – exclamou Maria Helena, chocada.
– Jamais imaginei que uma pessoa como você houvesse passado por algo assim.
_ Ninguém imagina. O publico se esquece que
sou uma mulher de carne e osso e que, mesmo com todo o glamour da profissão,
tenho problemas gigantes, como qualquer ser humano. Enfim, a crítica e o
público estão lá para se entreterem e opinarem. O sistema é assim e não mudará.
Contudo, peço a Deus que eles façam o trabalho deles de forma humana.
_ Você tem razão. Eles poderiam criticar de
forma amena, trazendo-nos sugestões de melhoria. Seria muito mais proveitoso.
_ Com certeza – concluiu Marisa. – De qualquer
maneira tenho uma proposta a lhe fazer.
_ Pois, faça – respondeu Maria Helena. Seus olhos
brilharam intrigados.
_ João Bianco, um grande amigo meu, diretor do
teatro “Felix Albuquerque”, amou a peça e quer que eu faça algumas pequenas
adaptações e a dirija, estreando-a novamente na próxima temporada. Se você
topar, será um grande prazer.
Maria
Helena assustou-se. Jamais imaginou que a grande dama do teatro nacional
pudesse propor-lhe algo do gênero.
_ Será que conseguiremos público? – perguntou insegura.
_ Teremos de usar toda a nossa influência. A
princípio não será fácil, contudo, acredito que sairemos vitoriosas – respondeu,
exalando um inabalável otimismo.
_ Então, eu topo! – aceitou Maria Helena. –
Não tenho palavras para agradecê-la.
_ Agradeça-me dando o melhor de si.
As
atrizes abraçaram-se comovidas, trocaram contatos e despediram-se. Marisa
sentia-se com a alma lavada. Detestava manter-se passiva diante de situações
que julgava injustas. Maria Helena, por sua vez, assistia, novamente, à maquiagem
se borrar com as lágrimas. Só que agora, um lindo sorriso estampava-lhe o
rosto. Era a alegria de sentir-se o que todos os seres humanos são: valiosos.
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