Amaram o amor proibido
Pois hoje é sabido
Todo mundo conta
Que uma andava tonta
Grávida de lua
E a outra andava nua
Ávida de mar
Quando o sol uniu-se ao mar na linha do horizonte, meia dúzia de
estrelas anunciou o fim de mais um dia em Costa Dourada. Isabel afastou-se
letamente do para-peito da janela e dirigiu-se ao toca-discos que se encontrava
sobre uma cômoda escura e muito antiga. Com um suspiro e muita delicadeza,
voltou a agulha do aparelho até a primeira faixa do Vinil. Após alguns segundos
e chiados, Maria Bethânia começou a cantar “As canções que você fez pra mim” –
famosa música de Roberto e Erasmo Carlos que se eternizaria em sua voz naquele
longínquo ano de 1993.
Os acordes doídos de um
violão cortaram o ar quente e invadiram os ouvidos de Isabel. A dor da
interpretação mesclou-se às suas dores mais íntimas. Ela, porém, não derramou
uma lágrima. Parecia já ter se acostumado com o imenso vazio que se apossara do
seu ser. Ninguém imaginava o fardo que se tornara o ato de viver para ela.
Há dois anos conhecera
Françoise – uma linda francesa que viera ao Brasil estudar e viver. Ela era
alta, esguia e delicada. A pele branca de seu rosto fino era envolvida por
longos cabelos castanhos e lisos. Era o exato oposto de Isabel, que possuía a
pele bronzeada, os cabelos negros e fartos, e um corpo largo e bem definido.
Ambas, apesar dos estereótipos distintos, mexiam involuntariamente com o juízo
dos homens do lugar. Entretanto, elas não se importavam. Desde o primeiro momento
que se viram, não tiveram olhos para mais ninguém. Após alguns meses de
relutância, assumiram aquele amor, e, no dia doze de junho de 1992, começaram a
namorar sem se abalarem com os comentários maldosos dos habitantes da cidade. Durante
seis meses, mergulharam de corpo e alma naquele relacionamento. Não existiam
seres humanos mais felizes sobre a Terra. Françoise ensinava Francês a Isabel,
e esta sempre lhe retribuía com doces, beijos ou flores. Também gostavam de
ouvir boas músicas brasileiras juntas. Assim, Françoise aperfeiçoava o seu
Português, cantando versos de amor para Isabel e amando-a, em seguida, sem
pudores.
Em dezembro do mesmo ano,
porém, o sonho acabou. Certo dia, Françoise – alegando não amar a companheira
da mesma maneira – rompera o compromisso. Isabel esquecera-se deste dia, tamanha
fora a sua dor. A vida perdera completamente o brilho. Ódio, dor, rancor e
solidão habitavam, agora, em seu coração – mas não eram capazes de calar o seu
maior sentimento: o amor pungente por Françoise.
Despindo, vagarosamente,
a camiseta branca e o jeans surrado, Isabel foi até a cama e pegou um vestido
azul que se encontrava estendido sobre o colchão. Vestiu-o e colocou, além de
um lindo colar de conchas, meia dúzia de pulseiras prateadas. Soltou os cabelos
e calçou sandálias rasteirinhas. Estava linda! Desligando o aparelho de som,
saiu de casa, e, após caminhar, aproximadamente, trinta minutos, chegou a uma
praia afastada da cidade. Ali, havia vivido os momentos mais felizes de sua
vida ao lado de Françoise.
Uma leve brisa tocou sua
pele, provocando-lhe arrepios. Tirou as rasteirinhas e olhou em direção aos
céus, desejando perder-se em meio àquela imensidão. Caminhou firme até sentir o
vai e vem das águas sob seus pés, e, assim, manteve-se por um longo tempo. As
lembranças dominaram todo o seu ser.
_ Eu não agüento mais! – exclamou em voz alta, fazendo algo que há
muito evitava: chorar. Amanhã, comemorariam um ano de união caso estivessem
juntas.
Inconscientemente, deu
mais alguns passos em direção ao mar. Agora, o vento soprava forte contra suas
roupas e cabelos.
_ Eu também, não – respondeu uma voz conhecida.
Isabel assustou-se e
virou rapidamente. Françoise encontrava-se a pouco mais de um metro de
distância. Não mudara nada. Suas mãos trêmulas pendiam nas laterais do corpo e
a esquerda carrega um par de sandálias muito parecidas com as da ex-namorada.
_ O que você está fazendo aqui? – perguntou Isabel, incrédula,
pensando vislumbrar uma miragem.
_ O mesmo que você – respondeu Françoise, receosa, e,
aproximando-se, acrescentou entre dentes:
_ Perdoa-me? Eu estava equivocada. Há tempos venho aqui só para recordar
de nós duas. Ainda amo-lhe mais que tudo!
_ Eu também – confessou Isabel, chorando copiosamente, e, abraçando Françoise fortemente, acrescentou: Até hoje não entendo porque você tomou
aquela decisão.
_ Fui burra! Não tinha certeza do que
queria.
_ Eu sofri tanto...
_ Eu sei. Por favor, não me faça
carregar essa culpa – suplicou Françoise, afagando os cabelos de Isabel e beijando-lhe a
boca. – Voulez-vous être ma petite amie?* – perguntou, timidamente, distanciando os lábios. Seus olhos,
além de molhados, eram pura esperança.
Isabel roçou seu rosto sobre o da amada, e, pousando os lábios
sobre sua orelha esquerda, respondeu:
_ Bien sûr!
Ambas gargalharam entre lágrimas emocionadas e desejo. O brilho voltara. Amanhã o dia era de luz. Amanhã o dia era das namoradas.
Traduções:
*Você quer ser minha namorada?
*Claro
Introdução:
Música “Mar e Lua”, composta por Chico Buarque, Marilena Ansaldi e José Possi Netto para a peça “Geni”.
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