domingo, 4 de março de 2012

Os destroços do meu coração


World Trade Center, 11 de setembro de 2001.

Caro Doug,
As circunstâncias desta vida fizeram-me chegar ao nível de enviar-te esta carta. Poderia arrumar argumentos e artifícios para dizer não, mas o mesmo seria para mim e não somente para você. Imagino que não esperava recebê-la. Sei de algumas coisas, por mais que eu pareça um louco vagando pelo mundo numa realidade em que abominas. Pouco importa pra mim!
Precisava desabafar e descarregar o peso que você colocou em minhas costas há 28 anos atrás, quando eu tinha apenas 5 anos de idade. Eu não devia dizer nada, admito. Mas a força que existe em meu ser faz com que me torne, muitas vezes, tolo. Explicá-lo-ei.
Fui chamado para trabalhar no socorro de milhares de vidas, quando surgiu o "ataque dos terroristas" nas Torres Gêmeas, logo pela manhã. Resgatei 1035 pessoas e encontrei mais de 300 corpos soterrados. O trabalho foi pesado e quando estava no segundo andar, dos poucos que restaram, uma grande rocha levou-me ao chão. Desmaiei e acordei com os destroços prendendo meu braço esquerdo, deixando-o em atrito com o chão. O sangue ainda jorra perante o meu corpo e lembro-me de você. Lembro que o sangue que percorre entre os restos desta torre, é o mesmo que desliza em tuas veias. Por mais que eu não quisesse.
Está frio aqui, mas não mais do que aqui dentro do meu coração, pela tamanha discrepância que fizeste comigo. A dor, em meus ossos, está incômoda, mas não mais do que a dor que as suas atitudes afetaram a minha vida.
Eu te odiei, pai. Odiei teus olhos crus ao contemplar os da mamãe, chorando ao vê-lo abandoná-la por causa do seu envolvimento com a secretária cachorra – que por diversas vezes tentou seduzir-me. Tome aí! Mas recusei-a com todas as minhas forças. – Odiei o jeito que você falava com ela, ao chegar em casa, e vê-la preparando o seu alimento que, às vezes, não era do seu total agrado. Odiei suas mãos diversas vezes quando pegava os instrumentos mais pesados e mais doloridos para acertar-me. Você batia tão violentamente que as minhas nádegas não ficavam somente roxas, mas algumas partes ficavam na carne viva. As lágrimas rolavam não somente pela dor, mas pela raiva, pelo ódio de como tratava seu único filho. Suas palavras doíam mais do que as surras, os socos e os gritos.
Eu tive dó de mim por sofrer tanto em suas "mãos", por sentir o vazio que existe aqui porque deixei espaço para que o seu calor o preenchesse, mas, hoje, percebo que a dó maior é por você. Pois estás isolado, vive sozinho sem a pessoa que tanto amava, sem a cachorra que tanto queria e sem o filho que sempre odiou.
Não o amo somente por isso, é supérfluo, mediante as coisas que fizeste. Tantas e tantas noites chorei, lamentando e procurando um abraço seu, um carinho e um beijo fraterno, mas você só sabia pisar e torcer minha cabeça como se eu fosse o verme da sua vida. E, pra você, eu sei que sou.
Eu enfrentaria dias sem comer, sem beber e ainda sem algum membro, mas enfrentar as mágoas que você nos causou é como morrer todos os dias, não em pequenas quantidades, mas em doses suficientemente marcantes para surgir um câncer no coração, causando um oco dentro dele e destruindo as partículas eminentes.
Eu poderia muito bem, nestes pequenos instantes de vida, estar preocupado em escrever uma carta para minha querida mãe ou para minha esposa, mas os desvios da realidade batem a porta e mostram-me que o amor que sinto por elas, elas têm consciência. Talvez bem menos, comparado a imensidão dos meus sentimentos. Mas você, pai, eu repudiei, desprezei e desgostei de todas as ações.
Apesar de tudo isso ter acontecido, sinto sua falta. Quero pedir perdão por todas as coisas ruins que pensei a seu respeito. Quero morrer com a certeza de que o meu coração está limpo. Sei que é inútil, pois não saberei a resposta. Mas perdoe-me por não ter podido partilhar das coisas contigo, como um filho que tanto sonhou. Eu só tive medo, medo da sua rejeição.
Mande um abraço apertado para mamãe e um ardente para minha grande mulher.

Posso sair daqui vivo. Meu parceiro Nicollas está rondando o andar abaixo de onde estou e quem sabe consiga chegar aqui a tempo. Deixei ao lado desta carta um bilhete para ele, pedindo que a entregasse para você. Não consigo mais continuar, falta-me o ar e as lágrimas atrapalham-me a visão.

Tenho uma novidade: Você será vovô. Cuide da minha princesinha. Faça, por mim, o que você não conseguiu fazer comigo.

Eu queria muito te amar, mas agora, talvez, eu não tenha mais essa oportunidade.
Que Deus perdoe-me por não conseguir amar, quem eu mais queria nessa vida.

Daquele filho que sempre desejou os teus braços,
mas só encontrou farpas ao tentar sentir a tua pele.

Com desejo de sobrevivência interna,
Park

Um comentário:

renatocinema disse...

Um texto que nos leva a reflexão.



obs: como não sou fã de Cage, teria escolhido outra imagem para representar o texto. Mas, isso é um detalhe pessoal. kk