domingo, 26 de fevereiro de 2012

Tem uma sombra!


Teve um surto de desespero quando não a encontrou em casa. Passou a mão na testa, fazendo com que os dedos se entrelaçassem em seu cabelo, um ato que expressava sua preocupação. Correu porta afora e, perdido no ápice do desespero por não imaginar aonde ela poderia estar, infiltrou-se no bosque com entrada logo mais a direita da casa. Seguiu a trilha, certo de que ela bem poderia ter seguido por fora desta. Caminhava a passos longos, quase correndo, olhando para tudo que era lado. Mas foi quando olhou furtivamente para o chão, que pensou ter visto um caderninho de capa dura. Virou-se para trás e olhou o chão novamente, reconhecendo o diário de Lara. Não tinha certeza se achá-lo ali o preocupava ou aliviava. O fato é que ela passara por ali. Mas há quanto tempo? Ela perdera o diário ali, ou jogou-o? Estaria por perto, ou já bem distante dali? – Essas perguntas pulsavam em sua cabeça na medida em que o coração bombeava sangue para seu corpo aflito.
Abaixou-se para apanhá-lo. Os dedos tremeram ao abrir o diário na primeira página. Queria que houvesse algo que o ajudasse a encontrá-la escrito ali. Folheou as páginas até a que foi usada recentemente. Onde leu:
“Querido diário...
A voz disse que me massacraria hoje. Tem uma sombra. Uma sombra atrás de mim. Ela está me olhando escrever, não sei o que faço. Acho que é a sombra que vai me massacrar. Mas... Não, a voz não me deixa escrever. A sombra quer me matar. Quer me matar”
Fabiano levantou os olhos preocupados do diário ao terminar de ler. Ia olhar em torno, escolher por que caminho ir primeiro, ao ouvir o grito que o fez seguir pelo lado que considerou estar vindo o som.
- NÃO! – Fora um grito forte. Um grito de Lara.
Fabiano correu. Quando viu vestígios da presença dela, começou a andar devagar. E a encontrou ali, atrás de uma rocha enorme que não ficava muito longe da trilha do bosque. Avançou alguns passos com cautela enquanto a observava sentada no chão de terra, abraçando firmemente as pernas cujos joelhos apontavam para cima. Pernas aquelas que mais de perto, pôde ver que estavam arranhadas, e sujas como as mãos também estavam. A pele, arrepiada. O rosto voltado para baixo, com a expressão do terror absoluto.
- Meu amor? – Fabiano chamou suavemente, ao que ela levantou os olhos para ele prontamente, ansiosa.
- É você! Achei que fosse a sombra me encontrando. Ela quer me matar, quer me matar!
Enquanto ela respondia, Fabiano pegou-a gentilmente pelos braços, levantando-a do chão. Nisso, puxou-a para seu peito, e a envolveu em seus braços fortes, aninhando-a.
- Ei, está tudo bem agora, estou aqui, está bem? Não vou deixar sombra alguma pegar você. – Confortou-a dando um beijo no alto de sua testa. Então ela se aquietou. Ele sabia bem como lidar com a situação.
Fabiano não a culpava. Quando a conheceu, nada tinha daquilo. Mas as coisas mudaram muito em seu cérebro depois da morte terrível dos pais e das zombações sem fim que sofreu no último ano escolar – que sequer chegou a terminar devido ao que se sucedeu nesse meio tempo. Perdera os pais, e para muitos, perdera até a sanidade. Mas desde adolescente ganhara Fabiano. E ela o tinha, como ele tinha a ela. Ela, um doce de pessoa que mais do que nunca precisava de carinho e compreensão. E ele, homem compreensivo que a amava de verdade, e prometera para si mesmo estar com ela em tudo, e protegê-la até mesmo das projeções causadas pela esquizofrenia dela.

#Pauta para o Bloínquês

Um comentário:

renatocinema disse...

adoro tramas de esquizofrenia. Vários bons filmes, livros e derivados.