sábado, 11 de fevereiro de 2012

Deite-se comigo


Ele estava na esquina de frente com o bar. Eu saí de casa com os olhos bem delineados e uma roupa que mais me fazia parecer garota de programa. E de fato eu desejava um programa. Mas um programa diferente do que é possível pensar neste contexto.
Passei por ele ao atravessar a rua, andando perfeitamente sobre meu salto alto. Não era preciso ter olhos nas costas para saber que ele me encarava. A noite estava fresca e o vento movimentava elegantemente meus cabelos. Cheguei ao bar, puxei um pouco minha saia para baixo e me sentei em uma cadeira de uma mesinha vazia da calçada. Pedi uma dose de uísque. E quando chegou, eu dava lentas bebericadas enquanto lançava olhares de lado bem convidativos para o homem que se plantava na esquina. Joguei meu cabelo para trás. Lembrei-me que o medo era apenas mais um pretexto para não estar lá. Só que ali estava eu, sedenta. Respirei fundo devido a uma má lembrança. Eu estava mesmo certa na convicção de que ele não tardaria a ir ao meu encontro. Afinal, ia ao encontro de todas – todas mesmo.
Parou defronte minha mesa. E quando ele abriu a boca para falar, falei primeiro:
- Não diga nada. Eu sei o que quer e estou ansiosa por isso também. Eu conheço bem você.
Então o homem loiro e alto que não era feio, mas também não era bonito, repuxou os lábios num sorriso até mostrar os dentes, fitando-me com malícia.
- Pode ser na minha casa?
- Em qualquer lugar, princesa.
Paguei a conta e partimos. Eu morava perto, mas ainda assim tive que impedi-lo inúmeras de agarrar-me na rua. Eu desviava, dizendo que tinha que ser tudo em casa. Por fim chegamos. Ao entrarmos em meu quarto, joguei-me prontamente na cama. Ele não era rápido, virou-se de costas para se despir, de modo a achar que eu iria adorar quando ele se virasse de frente. Então ele veio por cima de mim.
- Então, como me conhece tão bem? – perguntou sussurrando enquanto beijava meu pescoço.
Empurrei-o de cima de mim e não pensei duas vezes em atingir seu membro frágil com uma joelhada, para que ele não se favorecesse. Peguei o revólver que eu havia deixado sob meu travesseiro e apontei para a testa dele.
- Eu era bem nova quando vi você estuprar minha irmãzinha de dez anos no beco atrás da igreja. Depois ouvi o grito abafado que ela deu quando você arrancou a alma dela com uma facada naquele coração inocente.
Ele ainda urrava de dor pela joelhada. Continuei:
- Eu senti medo e chorei quieta. Tive medo de correr salvá-la e morrer também, então fui gritar por socorro em outro lugar porque eu era uma criança. Mas quando retornei com a ajuda, você já tinha partido e vimos apenas minha irmãzinha no chão, morta. Não sabe por quantos anos esperei por esse momento de te fazer acreditar que eu diria “deite-se comigo”. Mas vou dizer. Deite-se comigo, desgraçado! – Falei alto e com ódio – Deite-se comigo no pavor de ver essa arma apontada para sua testa, tal como senti ao ver a ponta daquela faca apontada para o coração da minha irmãzinha!
Puxei o gatilho. E ao ver sua testa perfurada e com sangue escorrendo, o empurrei da cama para o chão, onde ficou estirado de olhos abertos. Olhos maliciosos aqueles, que antes estiveram ansiosos e depois se surpreenderam por estar à beira da morte, para então se paralisarem de medo ou indignação para sempre.
- Deite-se no inferno!

5 comentários:

Luria Corrêa disse...

Uau, que frio Letícia. Eu acho que o final desse texto é uma realidade que muita gente gostaria de viver, aquele papo de que vingança nem sempre vale, é furado mesmo. Só quem passa sabe o que é.

Beijos

renatocinema disse...

Adorei. Nelson Rodrigues encontra Tarantino em um beco literário.

ANTONIO NAHUD disse...

Que forte! Gostei.
Cumprimentos cinéfilos e apareça!

O Falcão Maltês

Insana disse...

Delirante

bjs insano da Insana

Anônimo disse...

oii
tava vendo outros Blogs e encontrei o seu
gostei muito daqui
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beijos