quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Porta entreaberta


Na porta da geladeira eu vi mais uma vez aquele sinal de solidão. Era um papelzinho verde com o nome PLANTÃO, escrito assim dessa forma; em letras grandes e numa caligrafia apressada. Franzi o cenho e voltei me arrastando para a cama, de onde eu nem deveria ter saído. Mas o sono já estava longe de me agraciar com a sua ilustre presença, e eu já não fazia mais questão.

Acordei às sete da manhã e preparei café apenas para uma pessoa, coloquei apenas um prato na mesa, conversei com a cadeira vazia a minha frente, e fui para o trabalho. No fim do dia voltei, e mais uma vez só ouvi os meus passos naquela casa que parecia grande demais para mim de uns tempos para cá. Fui para a cozinha já esperando o meu aviso solitário. E como esperado ele estava lá, debochando de mim. CIRURGIA - era o que estava escrito.
Revirei os olhos sem sentir-me egoísta nem nada, tomei o meu banho, jantei sozinha, e contei para a minha solidão como foi o meu dia. Fui para a minha enorme cama, e deitei nos lençóis frios. O sono mais uma vez não veio.

Passaram-se meses até eu tomar uma decisão definitiva. Eu estava cansada dos bilhetes, pois não havia me casado com uma caligrafia rápida e uns bilhetes coloridos. Não, essa não era eu, e eu não sabia fazer esse papel de esposa solitária.
Como o celular dele estava sempre desligado, resolvi ligar para o hospital, uma secretária me informou que o Dr. Ricardo não estava, e que havia saído às cindo da tarde com a sua namorada. Desliguei o telefone me sentindo atônita, corri para o quarto enquanto lágrimas ardiam em meu rosto, joguei todas as roupas dele dentro de uma mala, e por último arremessei o maldito bloco de papel colorido em cima de suas roupas. Voltei para a sala sentindo a dor queimar em meu cerne; sentei no sofá pensando em minha vida até aquele momento, e decidi que quem iria fazer plantão naquela noite era eu.

Os meus olhos ardiam, mais de raiva do que qualquer outra coisa. Eu sempre fui uma esposa atenciosa, sempre o apoiei nessa decisão profissional, mudei de emprego apenas para ele ser transferido de hospital, virei a melhor amiga da solidão, e tudo isso o que fiz de que valeu?
A porta rangeu, e ele entrou em passos silenciosos. Liguei a luz do abajur e encarei a face assustada dele.
- Como foi o plantão, querido?
- Ah, oi querida. Ainda acordada?
- Fiquei sem sono.
- Ah, não foi muito agitado.
- Sei... - suspirei pesadamente. - Ricardo, primeiro eu quero lhe dar a chance de falar  antes de qualquer coisa. Então, você tem algo a me dizer? - perguntei enquanto me aproximava.
- Do que está falando? - seu rosto assumiu uma expressão preocupada.
- Acho que isso é um não.
- Não estou entendendo.
- Não seja covarde, liguei para o hospital hoje à tarde. - a minha voz soou tranqüila.
- Bem eu, não, é que... - seus olhos desviavam dos meus. Ele não sabia mentir.
- Quem é ela?
- Ela quem?
- O nome. - disse eu em tom áspero.
- Débora. - falou como se estivesse exausto.
- Como teve coragem de fazer isso comigo? Eu que fiz tudo por você. Eu que mantenho a cama fria a sua espera, e você, o que faz? Esquenta a cama de outra. Você não é um homem Ricardo, você é um ser asqueroso sem princípios. O que você faz não tem nada a ver com o que você é. Você não é médico, você apenas pratica a medicina. E por favor, não me procure, e só o faça quando eu estiver na presença do meu advogado para resolvermos o divórcio. A sua mala já está feita. - apontei para a mala atrás do sofá. Ele me encarou como se pedisse desculpas, mas nada falou, apenas pegou a mala e saiu pela porta que ainda estava entreaberta. Porque na verdade, ela sempre esteve.

Um comentário:

Fєrnαndєz ♠♠ disse...

Adorei o blog. O conto em um nível muito bom.
Parabéns, to seguindo!!

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