segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Para não dizer que não falei dos espinhos

Encara o reflexo no espelho por mais uma vez, diz ser a última antes de sair de casa. Olha  o vestido curto, e se sente bem enquanto admira as curvas bem afeiçoadas. Certifica-se se o batom está devidamente delineado em seus lábios fartos, ajeita uma mecha do cabelo atrás da orelha e sai segurando uma pequena bolsa.

Liga para uma das amigas solteiras que a chamou para sair naquela noite. A mesma que disse a ela para se divertir um pouco, e beber muito, já que esse é sempre o melhor remédio. E ela aceitou, porque já estava cansada do sorvete e dos filmes românticos de fim de noite.

Se arrumou de um jeito provocante, só para ter certeza de que ainda consegue chamar a atenção de outros homens; só para ter a certeza de que ainda consegue conquistar mesmo estando em pedaços.

A amiga buzinava em frenesi na frente na esquina da rua, ela sorriu acenando. Entrou no carro e foram para um bar no centro da cidade.
A música era de péssimo gosto, e ela achou que as mulheres daquele lugar pareciam usar maquiagem demais; pareciam bêbadas demais, e desesperadas demais.

A sua amiga conhecia quase todo mundo do bar, ficava vagando de mesa em mesa, e a cada vez que voltava para falar com ela, parecia estar um pouco mais bêbada.
Ela começava a achar que aquilo tinha sido uma péssima ideia, ainda segurava o copo de uísque pela metade.

Andou até o balcão para pedir  um coquetel de frutas com pouco álcool, já que sabia que teria que dirigir por sua amiga que já estava beijando um homem de cabelo grande e óculos cafonas do outro lado do bar. Ela tirou algumas fotos, só para rirem disso quando ela estiver lúcida o suficiente para se arrepender. Alguém tocou em seu ombro enquanto ela ria das fotos recém tiradas.

O riso de deboche que sustentava sumiu quando encontrou os olhos daquele que arrumou as malas há duas semanas e saiu por sua porta para nunca mais voltar.
Ele estava desconcertado, não sabia o que fazer com as mãos ou com os olhos. Sorriu sem graça e disse que ela estava muito bem, ela agradeceu  ajeitando o vestido no corpo. E ele perguntou se ela estava bem, bem mesmo. Ela sentiu vontade de jogar o uísque quente no rosto dele, mas não o fez, não o deu esse gosto. Então balançou a cabeça em sinal positivo, abriu um sorriso da melhor forma que conseguiu e disse que estava bem sim. Muito bem. Ele pareceu triste com a resposta, afinal, ele queria que ela estivesse sofrendo ao menos, já que ela sempre fora uma pedra fria. Isso era o que ele achava, mal sabia que ela havia passado as últimas semanas acabando com o estoque de sorvete do supermercado de seu bairro, e que já havia derrubado mais ou menos umas cinco árvores de tantos lenços de papel que gastou. Mas ele não saberia disso, e ela não o daria esse prazer.

Ela perguntou como ele estava, e ele disse que estava levando. Nesse momento o silêncio pairou entre eles e, mesmo com a música ruim tocando ao fundo, sentiam que o único som que ouviam era dos cacos tilintando dentro do peito. Ela abaixou os olhos e quando os suspendeu preferiu não tê-lo feito.

Uma mulher com uma roupa vulgar e um batom vermelho passava o braço pelo ombro do homem a sua frente, o homem que foi seu há pouco tempo atrás.
A mulher com cara de prostituta mascava um chiclete e perguntava quem era ela. O homem respondeu dizendo que era a sua ex-namorada. As palavras machucaram o seu tímpano, mas o que doeu mais foi a cara de indiferença que a outra fez a sua frente. Ela beijou o homem, e disse que estava o esperando no carro para irem embora. A mulher sentiu o rosto queimar enquanto observava os olhos inquietos do outro.

Ela travou um choro na garganta dizendo que era melhor ele ir logo, para não deixar a vadia esperando muito. Ele abaixou a cabeça e lhe deu as costas. E ela saiu do bar em seguida, arrastando a amiga bêbada que ainda estava com o homem cafona. Dirigiu enquanto lágrimas queimavam o seu rosto. Em casa jogou a amiga no sofá e foi para a cozinha procurar as garrafas de vinho caro que ele guardava com tanto carinho. Ela bebeu todas elas, e no dia seguinte acordou com uma dor de cabeça que estava invadindo até os seus pensamentos. Achou melhor assim, já que as lembranças da noite passada não haviam sido as melhores. Sentiu ânsia de vômito em pensar no rosto da mulher que estava com ele, vomitou tudo o que podia, mas não tudo o que queria, porque a dor continuava lá, para sempre.

Um comentário:

renatocinema disse...

Nelson Rodrigues puro......

Dor, vômito.

AMEI,