quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Aquelas mudanças repentinas que devíamos ter sempre

Senhor Lyon...

Quem diria que eu fosse te escrever depois de tudo que se passou comigo? De fato as mudanças existem e estou aqui para prová-la que há certeza em minhas palavras.
Talvez você não estivesse esperando uma carta minha nessas alturas do campeonato. Devo chamá-lo de você mesmo, já que nunca me permitia o “senhor” e por puro ironismo foi a primeira coisa que escrevi.
Sabe... As coisas aqui não andam tão agradavelmente como você esperava que fosse. E não, não estou me queixando de nada disso. Ainda não. E fico contente que você não saiba do tamanho sofrimento que tenho passado onde estou. Mas como algumas coisas não são ocultas por muito tempo, achei que já estava na hora de informá-lo. Assim, quando eu partir, você jamais poderá dizer que nunca soube de nada.
Pai... Lembra-se, logo no início, como você mencionava que éramos as pessoas mais ricas do mundo? Que tínhamos uma grande casa, a melhor mansão da região; que tínhamos uma gigante piscina que você a criou baseada na maior piscina do mundo lá em San Alfonso Del Mar, no Chile, e que ninguém teria capacidade de fazê-la igual a nossa? Lembra-se também que você sempre dizia que o meu quarto era o mais invejável pela sociedade porque tinha de tudo e só o meu cômodo equivalia uma casa de uma sociedade estável? Que nossa alimentação era a melhor e a mais saudável do país? É pai... Nós ainda temos tudo isso ou melhor... Você a tem. Nada me pertence. Talvez, pela lógica, seja minha também, mas não gosto de considerar isso.
Lembra-se também, papai, que você dizia que o Lincoln era o menino mais pobre da região? Que você sempre falava que não queria que eu ficasse perto dele?
Sabe, pai... Estive refletindo e percebi que na verdade quem são os pobres nessa história toda somos nós e não ele. Ele pode não ter o meu quarto para dormir, a cama aconchegante que tenho, mas ele tem uma linda rede para descansar quando quiser. Um imenso lugar para tirar seu cochilo e o melhor: ele pode dormir admirando o céu. Tentando contar quantas estrelas existem e admirar seu brilho. Ele pode não ter a piscina que temos, mas Lincoln tem um lago em casa, grande lago, por sinal. Pode nadar quando quiser e ainda do outro lado da sua rocinha, existe um lugar que ele pode pescar a vontade. Podemos ter a mansão mais cara do país, mas ele tem um grande lugar para correr, para brincar na lama, na água, depois se perderem por entre as árvores e saírem como pessoas normais. Nós não, pai. Nós não podemos sair sem um segurança, senão somos sequestrados. Não temos paz, tranqüilidade.

É essa a mudança repentina que tive em mim e queria que você entendesse. A mudança interior, porque de nada adianta termos tudo isso se não tivermos a liberdade dentro de nós. Hoje eu a tenho, mas você não. E é essa mudança que eu desejo pra você, antes que me veja morrer.

Estou neste hospital internado, porque lhe garantiram que aqui era o melhor para mim, mas não é. Não tenho o carinho das pessoas que amo, não tenho a felicidade cercada a mim. Eles me servem, não porque gostam de mim, mas porque são obrigados. Porque visam o salário que você dará a eles no final do mês e sabe o que é pior, pai? Ouvi uma conversa entre médicos dizendo que minha leucemia está piorando a cada dia. Estou prestes a morrer, meu sangue está mais fino do que o esperado e ninguém pode fazer nada por mim.

Mude seus pensamentos quanto à suas riquezas, porque você não tem nada, pai. Você não é nada. A não ser um reles mortal como eu, nessa cama onde muitos morrem todos os dias.

Eu ainda o amo, apesar de tudo.
Daquele que mudou repentinamente, para aquele que irá mudar aos poucos.
Eu sei que você também pode.

Um comentário:

Marcos de Sousa disse...

Simplesmente lindo. É triste ver pessoas que ainda pensam e agem dessa forma: considerando a riqueza de fora maior que a riqueza de dentro.

Naty, como sempre, exalando beleza nas palavras.