segunda-feira, 11 de julho de 2011

Conhaque

Os olhos acinzentados dançam ao ritmo monótono do conhaque que circunda dentro do copo de vidro. Na porta se posta uma silhueta masculina vestida apenas com uma toalha de banho que lhe envolve pela cintura. A mulher ergue o copo e faz o álcool escorregar pela garganta.
- Quero que vá embora agora. – sua voz rola pelo lençol claro e desliza até as orelhas molhadas do homem. Esse a encara enquanto liberta um suspiro arrastado, um suspiro que anuncia o real cansaço que agora lhe afaga.
- Cansei desse jogo. – diz tirando os olhos dela e os fazendo procurar por suas vestes no quarto pouco iluminado.
- Então sugiro que desista. – voltou os olhos para o conhaque que agora tremulava dentro do copo.
- Não posso. – confessou enquanto vestia a roupa amassada.
- Então vá embora agora. – entornou o resto do conhaque.
- Por quê? – disse ele caminhando até a cama desordenada.
- Porque eu quero que vá. – seu tom soou leviano.
- E porque você quer que eu vá? – seus olhos focaram o rosto impassível dela.
- Não importa, só quero que vá. – essa se levantou enchendo o copo mais uma vez.
- Importa para mim. Não sou uma peça que você pode mover do jeito que achar melhor. – apertou o pulso pálido dela.
- Mas você se comporta como uma. Agora vá embora. – disse desvinculando-se dele.
- Você está errada. – sua voz soou como se pedisse desculpa. “Está certa”. – pensou a contra gosto.
- Você é previsível, e se estou o mandando embora agora, é porque sei que você sempre volta. – bebeu mais do conhaque e riscou um riso frio no rosto.
- Dessa vez não. – caminhou em passos pesados para fora do quarto. A porta foi batida com vigor. A mulher encarou a bebida e a abandonou em cima do criado mudo.
A porta foi aberta, o homem transtornado adentrou. Segurou a mulher por ambos os braços fazendo com que seus olhos a ferissem. Dessa vez ela sustentava um pequeno temor dependurado na face. O homem se aproximou a beijando com urgência. Um beijo que dilacerava a criatura em seus braços. Um beijo que descamava a superfície do ódio.
- Dessa vez não. – repetiu ele a encarando.
Ela não disse nada, mantinha os olhos assustados. Ele percebeu, e o riso frio tomou posse do seu rosto.
- Dessa vez só haverá volta se houver procura. – disse saindo do quarto.
Os olhos dela pregaram-se na porta fechada. Em seu cerne um movimento estranho fez-se presente.
- Que cretino. – esboçou um sorriso satisfeito enquanto resgatava o seu copo de conhaque.

3 comentários:

renatocinema disse...

Amores, paixões, sentimentos, dores.

Isso tudo é Nelson Rodrigues com Pedro Almodovar.

E isso, é um bom sinal.

Shuzy disse...

Torço pra que ela procure e... pra que ele não volte!

vinícius reis disse...

texto prazeroso, sabia? comecemos pelo título, pelo jogo de olhares e a descrição perfeita de cada expressão. faz bem pra mente ler isso.