quinta-feira, 9 de junho de 2011

A vida e o novo mundo

Era domingo e a tarde fria me convidava a passear. Alguns diriam que frio e domingo é uma combinação perfeita para um sono. Mas eu gostava demais dos dias serenos de inverno para gastá-los dentro de casa sob cobertas. Então eu saí. Ao por os pés na calçada, já podia sentir o vento gelado que me tocava a face. Pus-me a caminhar, sem ter onde quisesse ir.
Fui andando sem pensar e minhas escolhas de direção, me fizeram chegar a uma praça, que ficava duas quadras depois da minha casa. As folhas das árvores já não caiam. Porque não havia mais folhas prendendo-se a elas. As muitas que restavam no chão, rolavam secas ao movimento do vento, fazendo um barulhinho que me relaxava. Sentei-me num banco.
Eu tremia um pouco. Mas eu gostava. Porque tal sensação apenas o inverno trazia, fazendo-me sentir viva e capaz de sentir algo. É, posso dizer que tal como os dias de inverno, eu era uma pessoa fria. Não que eu quisesse ser, mas o era. E isso me doía pelo simples fato de ser natural de mim. Pessoas precisam sentir algo, eu pensava. Vejo alguns chorando e sofrendo tanto... E a única coisa que me incomoda e de certa forma me faz sofrer, é a dor de não sentir nada.
Livrei-me um instante de tal devaneio lamentoso. Olhei para a direita, e assim que pisquei avistei uma adolescente com uma garotinha, e um garoto vindo ao encontro das duas. Ele se aproximou da adolescente, e trazia consigo, um maço de cigarros na mão esquerda. A menina olhou para o maço, e esboçou um sorriso satisfeito, mostrando os dentes.
- Você me faz bem quando chega perto com esse seu sorriso aberto. – Ele começou dizendo, envolvendo-a com os braços.
- Ah, para, Júlio. Eu não vou fazer nada com você. Quando vai entender que de você, só vou querer cigarros? Para de tentar me agarrar toda vez que me vê. – Respondeu ela, se afastando.
Ele deu um riso divertido. Pelo jeito gostava da forma como ela reagia. Então retirou um cigarro do maço, e deu a ela, que o pegou colocando na boca, enquanto ele pegava o isqueiro no bolso da calça jeans velha. Acendido o cigarro, ela deu as costas, como se nem o conhecesse. Ele olhou algum segundo para ela, parado, e depois seguiu para o caminho que pretendia seguir. Ela veio caminhando em minha direção com a garotinha pequena que segurava um ursinho de pelúcia. Parou alguns metros a minha frente. Talvez gostasse de fumar em lugares abertos.
- Mamãe, eu to com frio. – Choramingou a garotinha.
Espantei-me.
- Para de reclamar, menina. Já vamos embora daqui a pouco. Talvez nem teríamos saído de lá de casa se sua avó não se importasse em descobrir que fumo. – A mãe respondeu notavelmente irritada com a avó da menina.
Fiquei observando a cena. Por Deus! Aquela mãe que estava em minha frente não tinha mais que dezesseis anos. Já tinha uma filha pequena, mas não bebê. E fumava escondido o cigarro que meninos de aparência e gestos estranhos lhe davam.
Eu não conseguia deixar de olhar aquela adolescente com um cigarro entre os dedos, e uma filha pequena do lado. Ela acabou percebendo que eu não tirava os olhos delas. E então me olhou com uma cara de quem pergunta se eu havia perdido algo ali. Levantei-me, resolvi voltar para casa.
Apesar dos dezesseis anos da mãe, o que eu havia visto em minha frente eram duas crianças. E me chocava imaginar uma criança cuidando de outra; ter vícios que antes apenas os idosos tinham, como fumar, por exemplo; uma criança envolvida com outra criança, que por sinal, era um garoto perigoso.
Fiquei matutando a cena, com a naturalidade de quem pensa o que vê. Eu sentia algo mais, além de frio. Podia sentir pena e, medo. Não estava indiferente como sempre estivera. Eu já tinha meus trinta anos. Mas tinha medo dos futuros adolescentes que viriam, e pena das crianças que seriam geradas em consequência do envolvimento que há entre esses adolescentes. Mas também sentia pena deles. Tão informados, e pertencentes ao mundo moderno... E jogavam a vida no lixo, como se joga papel de bala no chão, após abrir a mesma. Faziam o mesmo com os dias deles. Então tive receio do futuro, e da realidade moderna. Lixo parecia ter se tornado luxo. E eu desejei não mais estar no mundo para ver quando todo esse luxo se “purificasse” de vez em todos os lugares. Eu, que passara tanto tempo sem nada criticar ou questionar, naquele dia, tomei consciência e entendi que eu não era assim tão indiferente. A vida é luxo demais para ser transformada em lixo. E lixo, é demasiadamente podre e nojento para se tornar um luxo.
Continuei andando adiante, olhando aos arredores. As folhas secas das árvores continuavam a rolar no chão, e o mesmo vento frio que as movimentava, batia-me na face. Estremeci. Pedi misericórdia. Aos jovens, às crianças, ao novo mundo.
Vida é compaixão entre "antigos" e modernos.

# Pauta para Bloínquês

Um comentário:

BlackRabbit disse...

ótimo texto como sempre...
bom para parar e refletir...
=***
se cuida...