quinta-feira, 26 de maio de 2011

Devaneio do Sertão

A silhueta trôpega caminhava em descompasso. O chão tremulante fazia a sua visão embargar, o calor escaldante maltratava os seus poros, e as rachaduras dos pés chocavam-se com as rachaduras do barro seco.
As mãos foram levadas ao rosto suado, o corpo foi levado ao chão para um descanso. No íntimo ele sabia que talvez esse fosse o último de seus descansos. Talvez ele devesse morrer ali, no meio de lugar nenhum, como um ninguém. Seria ele apenas um corpo moribundo; um resto mortal para servir de alimento aos abutres que rondavam por ali com os seus olhares agourentos.

Descansou a cabeça na mochila suja, tirou de lá a garrafa que antes havia estado cheia de água. E agora nenhuma gota escorria por sua garganta seca; nenhuma gotícula molhou os seus lábios partidos e esbranquiçados. Findou-se a esperança.

Fechou as pálpebras conformado, pensando no quanto a sua caminhada tinha sido inútil, já que sair de lugar nenhum para lugar nenhum só o fez diminuir os seus dias. Deveria então ter ficado naquela cabana desavergonhada, onde nada se plantava, e era o nada que ele colhia. Morrer lá pelo menos seria menos cansativo. Conclui por fim.

Abriu as pálpebras com dificuldade, encarou aquele enorme círculo amarelo que queimava acima de si – e queimava o seu corpo. Olhou para o chão que tinha sede. E ao longe, ele viu com seus olhos embaçados uma silhueta feminina. Ela caminhava lentamente, e trazia acima da cabeça um jarro. Ele piscou algumas vezes, apertou os olhos com as mãos sujas. E suspirou pesadamente. “Uma miragem, é claro.” – pensou fechando as pálpebras mais uma vez.

O calor que queimava o seu corpo parecia se distanciar, a escuridão pesou sobre os seus olhos, então ele imaginou que assim seria o seu fim, afinal.
Mas no momento em que a dor parecia correr para longe, ele a sentiu mais próximo de si, uma vez mais. Ele foi puxado como se estivesse em um turbilhão, sentindo como ponto de equilíbrio a água aliviar a sua garganta.
Abriu os olhos, encarando a luz amarelada e o rosto jovial de uma moça de cabelos longos. O sorriso dela não combinava com a sua expressão preocupada.

Ela falou alguma coisa, mas as palavras pareciam não chegar aos seus ouvidos, ele apenas acompanhava o movimento delicado dos lábios acima de seus olhos.
Ele sentiu uma mão fina em sua nuca, e os seus cabelos desgrenhados amparados pelo colo macio de sua miragem tão real.

- Está bem? – ela repetiu. E enfim ele a entendeu.
- Você é real? – sua voz soou rouca, quase inaudível.
- Claro que sou, moro num vilarejo não muito longe daqui. De onde você veio? – ela pôs a mão em concha e as encheu de água mais uma vez.
- De longe. – ele ainda a encarava.
- Beba. – encostou a mão nos lábios partidos dele. Ele apenas obedeceu.
- Tem certeza que não morri? – disse endireitando a postura o máximo que conseguia.
- Ainda bem que não, mas acho que foi por pouco. Aguenta caminhar? Irei levá-lo para o vilarejo, lá eu posso cuidar melhor de você. – levantou-se, fazendo o homem a acompanhar.
- Como é o teu nome? – foi o que ele disse em troca.
- Tereza. – sorriu.
- Obrigada Tereza, não sei como te agradecer.
- Não precisa. – passou o braço dele sobre o seu ombro.
- Tadeu.
- Que disse? – indagou enquanto caminhava.
- Meu nome... Tadeu.
- Ah... Bonito.
- Também acho.
- Acha?
- O teu.
- Obrigada. – sorriu.
- Tu salva a minha vida e ainda agradece? - encarou os olhos brilhantes dela.
- Pelo elogio. – disse ela em um tom envergonhado. Ele assentiu ainda a encarando.

Caminharam devagar até o vilarejo, onde ela tratou dos seus ferimentos cuidadosamente.
Durante a noite ele teve febre, e ela velou o seu leito com o cenho franzido. De vez em quando ela rezava baixinho. E só parava para ouvir as coisas que ele balbuciava enquanto se remexia. “Tereza... Tereza...” – era o que ela ouvia.

2 comentários:

renatocinema disse...

A primeira parte do conto me fez lembrar do filme "Natureza Selvagem". Achei que ele iria partir dessa para uma melhor, sozinho.

Mas, a parte final me fez recordar grandes amores, que só aparecem em poesias literários e cinematográficos.

Any disse...

aai, que lindo. me fez lembrar uma mistura entre 'vidas secas' e 'amor de perdição' nada a ver os dois né? mas lembrei. ;D
maravilhoso!