quinta-feira, 21 de abril de 2011

Carta para você 3

Vanessa,

Andei meio sumido, eu sei. Mas acontece assim desde menino: toda vez que machuco, me escondo. Minha mãe se desesperava, me procurava a tarde inteira, e só me achava lá pelo anoitecer, quietinho, quietinho, feito pássaro no ninho. Ela já sabia: perguntava onde foi, como foi, quem tinha sido. Eu nunca respondia, então ela cedia, olhava no fundo dos olhos e me abraçava. Você não teve essa coragem, de me abraçar naquela tarde. Porque agora, fiz questão de passar esse tempo fora de sua vida, pensando, pensando, eu te entendo: há egoísmo demais no seu coração, e então você nunca cede às pessoas, até aquelas que só precisam de um abraço. Mas já não faz mal. Fez bastante, não faz mais. Aprendi a me recompor. A gente já brigou tanto, sabemos disso melhor do que ninguém. E sempre recomeçamos. Porque acreditamos que valeria a pena, porque acreditamos que poderia dar certo, acreditamos. Recomeçar é isso, dar novas chances a nós mesmos, para podermos dar aos outros. Viramos mestres nisso, concorda, moça? Em reerguer as coisas, em levantar todas as paredes de novo, depois que as derrubamos a grito. Sendo essa a solução, veio nosso maior problema: de tanto reconstruir nós mesmos, não sabemos mais o que construímos. Ficamos estranhos. Sentimentos rebocados demais, arranjos demais, buracos demais. Quem somos nós? Eu me pergunto agora. E tão importante quanto questionar nossas reformas, é perguntar se o que ainda nos alicerça é amor.

Pois é, minha Vanessa, há dúvidas demais e eu não sei se ainda tenho aquela fé do começo pra continuar as coisas. Eu lembro de nosso primeiro dia. Nunca vi moça me impressionar tanto como você. Eu me convenci nas coisas que você disse: que com você seria diferente, que seria bom ficarmos juntos, que tínhamos tantos desejos iguais, tantos sonhos iguais, jeitos tão iguais de pensar. E eu acreditei do fundo, do meu coração, de verdade. Eu fiz de tudo, deixei daquelas minhas loucuras, passei a ser paciente, a ser . Mas embora eu me esforçasse absurdamente, eu não era bom o suficiente. E então, eu cheguei a uma conclusão: o que você mudou por mim? Eu ainda continuei o inútil, o desprezível, o idiota. Todos disseram que se meter com patricinha era roubada, eu discordei; porque o que eu via em você eram todas as coisas que eu sempre quis. Eu via. Eu já disse antes, não sei quem a gente é mais.

Então não sei se quero recomeçar mais uma vez, fingir que tudo é passado, que aquelas coisas que dissemos um ao outro passaram feito vento, que somos um feito para o outro. Não somos mais o mesmos, não somos não. Porque começar exige muito esforço; imagine recomeçar. Agora realmente imagine, imagine amar. Amar e passar a vida toda com essa pessoa. Impossível para nós. Somos pessoas piores do que nunca. Reconheçamos.

Até o amor desiste, Vanessa. O amor, esse sentimento que costumava ser lindo.

Lembre daquela nossa última tarde, aquela do começo dessa carta. A que eu simplesmente te pedi um abraço e você recusou. Eu só te pedi um abraço. Aquela em que para não te dizer mais nada, eu beijei sua testa e saí. Aquela nossa última tarde. Agora imagine que a gente se reencontrou, sei lá, na rua. E você vai me fazer aquela pergunta de todas as vezes que terminamos:
- Por que não podemos começar tudo de novo? Você disse que me amava.

Se for mesmo fazer essa pergunta, lembre de suas promessas. Que me faria feliz.
Então, eis a minha resposta?

- Recomeçar não vale mais a pena, e desculpe o que restou entre a gente foi aquele abraço gelado não dado. Eu não consigo, não te amo mais.

E então, eu voltarei a sumir da sua vida. Porque você sabe, e eu sei, que eu nunca estive.



Com mais um beijo na testa, e somente.
Thiago. 



#Pauta para Bloinquês e Suas palavras.




3 comentários:

Any disse...

muito bom ^^

Letícia R. disse...

Achei o personagem muito justo com ele mesmo. E adorei.
Num casal, uma das duas pessoas talvez tende a achar que possui a outra a horaz que quer. E analisando por esse lado, considero que a atitude dele foi corretíssima, e digo um BEM FEITO pra Vanessa! xD
Muito fofa e realista também a comparação com a infância "toda vez que me machuco, me escondo." E a parte do abraço da mãe. *-*

Carta bem escrita e bem expressiva. O destinatário do texto é bem digno dela. Adorei.

Vinicius Ferrari disse...

Quantos Thiagos existem no mundo? Que assim como nosso personagem só esperam um abraço para recomeçar?
Quantas Vanessas perambulam por aí sem saber entender o que os Thiagos querem? Quantos casais iguais a Thiago e Vanessa tentam recomeçar um amor e não conseguem? ADOREI a carta, parabens mesmo! Me fez pensar demais em minha vida e em algumas coisas por aí.

Parabéns e feliz páscoa!
Abraço.