Bem calmamente eu lia meu jornal, sentado numa poltrona que ficava no meio da sala. Olhei para o relógio preso a parede ao meu lado direito, este marcava dez horas da manhã. O sol entrava pela janela aberta, a minha esquerda, deixando claro o ambiente e também minha visão.
Baixei meus olhos que se dirigiam ao relógio, e voltei-os para o jornal. Meu óculos pendia sobre meu nariz, facilitando minha leitura. Meu neto Augustinho estava brincando com seus pequenos carrinhos em cima do tapete, logo a minha frente. Eu continuava minha leitura sobre os aniversariantes do dia, quando ele me interrompeu, dizendo:
- Vovô, eu não quero ir pra escola hoje.
- Por que não, meu neto? - Perguntei com interesse, visto que o tom em que ele falara era tristonho.
- A professora perguntou pra classe sobre o que tínhamos medo. E eu contei que tenho medo do escuro quando chegou minha vez de falar. E aí todos os meus colegas riram, dizendo que meninos de dez anos já não tem medo de quase nada. E que sentir medo, é coisa de meninas. - Respondeu-me sem parar de brincar com os carrinhos.
- Bobagem! - Exclamei, enquanto uma cena me vinha em mente - Sempre teremos medo de algo, mesmo que no futuro nos demos conta de que não era algo para se temer.
Augustinho olhou para mim, então. Como se soubesse que eu ia contar algo. E contei sobre a cena, que eu me recordava muito bem:
- Quando eu era moço, uma coisa estranha me aconteceu. Eu fiz uma amiga, mas logo comecei sentir coisas estranhas quando a via. Meu coração acelerava, minhas mãos soavam. Mas apesar disso, eu me sentia bem perto dela. Mas nunca tinha sentido aquilo antes. Então fui falar com minha mãe, sua falecida bisavó. Falei do que me acontecia, e ela sorriu, dizendo "meu filho, isso é amor". Eu fiquei intrigado e disse "por Deus mãe, dizem que o amor é tão bonito... Mas eu tenho 22 anos e estou amedrontado." Foi então que ela me disse como ensinamento: "Todos os seres vivos sentem medo de algo, e a idade é o que menos importa ao temer. Veja as lindas flores do jardim: elas ficam agoniadas quando as mãos humanas se aproximam delas. Elas morrem de medo de ser apanhadas. E elas temem, desde quando eram apenas sementes. Não importa o que você seja, nem como seja. O medo faz parte da vida, filho. Às vezes seu medo muda, mas você sempre temerá algo. O que tem de fazer, é apenas superá-lo." - Fiz uma breve pausa, e comentei - Augustinho, seus colegas da sua idade também tem medo de algo.
- Então eu vou hoje na escola e vou dizer isso pra eles. - Disse em tom triunfante e comicamente bravo.
- O próprio céu tem medo das tempestades, sabia?
- É sério? - Questionou interessado. Crianças sempre se interessam por coisas assim.
- Mas é claro! Não vê que ele fica alegremente azul e límpido quando está ensolarado?
Ele me sorriu, e sorrimos juntos.
- Quando você fecha os olhos tudo fica escuro. Então você sente medo. Mas, experimente pensar em claridade. A mente tudo colore. Assim, toda vez que for dormir, feche os olhos, pense em luz e diga para o escuro: "Não há nada que você possa fazer para arruinar a minha noite."
- Isso é o que a bisa chamava de superar medo?
-Exatamente! - Dei um sorriso amarelo, feliz.
Ouvi um pequeno ruído vindo da porta e então percebi que minha mulher nos observava.
- E a propósito, Augustinho - Recomecei a falar - a mulher e amiga por quem senti amor aos 22 anos, era Amélia, sua vó.
Ouvi um sorriso abafado vindo do mesmo lugar que viera o pequeno ruído, às minhas costas.
- Foi o medo mais bobo que senti. Mas foi o melhor. E sempre será. - Falei pensando alto.
Augustinho já havia voltado a atenção para seus carrinhos. Mas eu falei para que outra pessoa ouvisse. E ela ouviu. Tive certeza disso quando ouvi ansiosos passos rápidos até que os mesmos pés que o faziam, parassem em minha frente. Era Amélia. Ela se curvou e me deu um beijo confortante na bochecha. Olhou-me bem nos olhos, sorriu espontaneamente e saiu.
Uma observação: Ela tinha medo de beijos na bochecha quando era adolescente, segundo me contou. Porque um garoto a assustou fazendo isso com ela uma vez, repentinamente, sem que ela esperasse. Mas depois ela percebeu que beijos não eram bichos.
E agora, concluo que no fundo devíamos rir dos nossos medos. Amor é vida, beijo na bochecha é carinho. E escuro... Bom, o escuro existe para que aprendamos a valorizar a luz.
Pelo que conheço, o medo tem dois lados: Um que nos alerta de perigos, e outro que nos mostra, que as coisas não são exatamente como pensamos que sejam.
Exemplos?
Lado um: Uma pessoa tem medo de fogo. Então nunca põe a mão em uma chama. Assim, jamais se queima.
Lado dois: O fato de você se assustar com algo, não vem dizer que esse algo é mau. Amélia percebeu que beijo na bochecha não era coisa ruim.
Hum, esses medos... Não importa se são óbvios, bobos, absurdos ou o que quer que seja. Eles não só fazem parte da vida, como são grandes professores. É.
# Pauta para Bloínquês
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