terça-feira, 22 de março de 2011

Retro-solidão




















Ele estava ali novamente, na fila da bilheteria do decadente cinema Plaza. Gostava do Plaza. Não tinha o ar comercial que os cinemas de shoppings e duas vezes por semana exibia filmes de décadas passadas. As grandes histórias, as grandes interpretações, aquela coisa interessante que ele não sabia explicar. Não perdia uma se quer, não marcava compromissos e ia sozinho assistir aos clássicos. No fundo, no fundo, José ainda era daquele tipo de sonhador romântico, capaz de puxar uma cadeira para um moça se sentar e conversar sobre todos os grandes livros de nossa literatura. Então ele sempre ia, se emocionar com talvez musicais ou dramas sobre amores que todo o tempo se desmancham e se reatam. Mesmo tendo o coração vazio, José era apaixonado; apaixonado de verdade, que se preenchia de filmes.

Mas ele era dos poucos. Essas sessões eram realmente um fracasso, somente ele, talvez alguns sexagenários, uns dois ou três curiosos e o próprio lanterninha compunham a sala que outros tempos, com a mesma exibição, havia de estar perfeitamente lotada. Mas de fato, ele nem olhava a cara das pessoas que passavam por ali. José ia pelo prazer, não se importava com companhia. Para ser sincero, ele se importava. Mas sempre fora terrível no amor. Não sabia lidar com cantadas, com galanteios nem mesmo com eroticidade. Vivia se contentando com o que conseguia em festas: bebida, beijos, até sexo. Mas ele valia muito mais que isso; sabia, sentia, então a cada conquista amorosa de qualquer que fosse o personagem, ele também se orgulhava e batia palmas mudas. Era um crente, e pacientemente esperava pelo dia em que o amor entraria na sua vida, como acontece nos filmes, de repente, não mais que de repente.

Outra sessão, estava lá ele, na bilheteria com seu jeans folgado. Contente e solitário em mais um filme. Mas o dia estava diferente. Meio sisudo, acinzentado-chumbo, quase romântico, que por acaso combinava com o título dramático da sessão daquela tarde. Não era bem o filme ou todo o resto que o atraia, sempre foram as sensações que ia sentindo a cada cena. Não sei especificar o que, mas José sabia que algo realmente o surpreenderia. - Aquela barra grande de chocolate, e um copo médio de Coca-Cola. - Ouviu docemente alguém dizer, enquanto se dirigia a bomboniere. Parada no balcão, uma moça de cabelo castanho com um casaco vermelho de gola levantada pagava ao velho do caixa. Virou e seguiu para a sala em que em poucos instantes ele entraria. Mas não olhou para trás, seguiu apenas.

José só conseguiu ficar parado, observando, devaneando pensamentos bestas: quem era ela? o que fazia? e por que, realmente por que, a beleza dela destoava de tudo ali?

- Vai querer alguma coisa? - perguntou sugestivamente o velho da bomboniere.
José se voltou à ele, recobrando seus pensamentos antigos.
- Um balde de pipoca pequeno e uma lata de chá gelado.

Talvez porque o dia estava nublado, a sessão estava um pouco mais cheia do que o comum. Não pode ver onde a moça estava. Foi para a fila mais ou menos do meio, onde havia umas quatro pessoas sentadas, ficou a distância de uma poltrona vazia do alguém mais próximo, totalmente atônito. "Quem era ela? Onde será que estava sentada? E por que ele tanto havia se encantado?" Pensou durante as primeiras cenas do filme que já se desenrolava, não sabia respondê-las e muito a menos à nova pergunta que se formava: "Se a reencontrasse, o que falaria?" Sempre fora frouxo, mole, babaca ou qualquer adjetivo da espécie. E com essa última reflexão, voltou os olhos a antiga tela ainda de retroprojeção e deixou o filme levá-lo.

Foi um filme lindo, mais um falando de amor num cenário de guerra. José não pode deixar de sorrir quando o "The end." surgiu. Continuou ainda sentado, ainda digerindo o filme, esperando que as pessoas saíssem da sala. E foi surpreendido pela pergunta ue vinha de duas cadeiras depois.

- Você acredita no amor? - Olhou quem perguntava e corou ao ver um casaco vermelho e uma moça linda, com olhos marejados de lágrimas e também um sorriso bobo, ainda do final do filme.
- Eu acredito, sim. - Respondeu e ficou em silêncio. Ela também.

Um silêncio entrecortado por respirações se projetou na sala que já não tinha mais ninguém, por alguns segundos. Eles estavam totalmente a sós, mas ele sentia-se, pela primeira vez, acompanhado. Até ela arriscar uma nova pergunta.

- E por quê? - Os olhos de José ficaram opacos, formulando uma resposta sensata.
- Não sei. Talvez eu simplesmente acredite. Sou assim. - A expressão dele era de conformado, a dela de surpresa.

- Você foi o moço que ficou me olhando passar, não foi? - perguntou inquisitorialmente.
- Se você estava de costas, como me viu te observar? - arriscou ele, embaraçado.
- Mulheres sabem ver, mesmo de costas. Vendo dois clássicos toda semana aqui, você ainda não aprendeu isso?
Ele sorriu totalmente surpreendido. - E como você sabe disso tudo sobre mim?
- Porque eu sim, sei te observar. - Com essa última declaração a moça levantou-se e se dirigiu à porta.

- Qual seu nome? - Perguntou José, incrédulo e desorientado.
A moça parou na porta olhou para ele e respondeu no melhor estilo de Hollywood:
- Não precisa saber meu nome, precisa saber que na próxima sessão, eu estarei sentada no mesmo lugar, e que por favor, não sente uma poltrona depois de mim. - E saiu.
 E ele pensou: "Ele só, ela só, juntos."

Pauta para Créativitè

5 comentários:

Jéssica Trabuco disse...

Aaaaaaah que conto mais lindo *---*
Eu quero algo assim pra mim, e agora?
rs
Muito bom seu texto, parabéns.

BlackRabbit disse...

"- E por quê? - Os olhos de Pedro ficaram opacos, formulando uma resposta sensata."

"- Qual seu nome? - Perguntou José, incrédulo e desorientado."

o nome do cara era José Pedro, ou Pedro José???
=B

Cristiano Guerra disse...

kkkkk, boa blackrabbit. Até eu estou em dúvida, agora. Mas acho que é José.

Muito obrigado pela observação.

Letícia R. disse...

Oin adorei *-*

Soube usar o tema impecavelmente bem =D

Déreck disse...

Putz, belo conto, melhor que meus trechos de contos(kk. Mas é melhor eu continuar com minha linha, porque tem concorrentes fortes, *-
Parabéns.