quinta-feira, 10 de março de 2011

O ato de desistir


O outono se aproximava. Na cidade o vento estava gelado, o céu estava nublado e fazia frio, tal como estavam os pensamentos de Beatriz.
Jovem de quatorze anos, mal começara a descobrir a vida, e já se cansara de viver. Estava voltando da escola para casa, caminhando sozinha pelas ruas movimentadas, com seus fones no ouvido e pensando que pela primeira vez não seria fraca. Questionava qual era a razão para viver quando se é criticada, sozinha, mal falada. E não encontrava a razão.
Durante todos seus anos de vida, sempre tivera forte tendência a desistir de algo que percebia que não daria conta de conseguir vencer. Não negava isso. Era uma crítica realista. Pensava com seus botões por que tinha de ser assim, tão... Fraca. E a única resposta que lhe vinha, é que não sabia por quê. Seria a preguiça? A tristeza? A que tipo de coisa se devia tamanhas indeterminações na sua vida?
Olhou a rua para atravessar, e continuou caminhando. Chegando em casa, pela primeira vez não lhe faltaria determinação. A hora de acabar com toda história de fraqueza, havia chegado. Não, dessa vez não iria falhar. Tinha dito aos seus colegas criticadores e zombadores que se mataria. E eles disseram “Vai se matar tarde já. Mas duvidamos que vá fazer isso”. Ah, desta vez eles ficariam surpresos, pensava.
Por fim chegou a sua casa que ficava no bairro dos prédios para pobres, como dizia Frida, a garota da sala de Bia que liderava as críticas.
Subiu as escadas; não havia elevador. Chegou no andar certo, entrou. Deixou sua mochila no sofá, e tirou sua jaqueta. Saiu e subiu novamente as escadas, até chegar ao topo do prédio. Ventava demais ali em cima. Sua pele se arrepiou ao sentir o frio do vento. Caminhou com cuidado até a ponta, e se sentou, olhando para a rua lá em baixo. O vento que vinha pelas suas costas, jogava seu cabelo para frente. Três minutos ali sentada. E desistiu de pular.

No dia seguinte, quando chegou na escola e entrou em sua classe, seus colegas todos a olhavam.
- Não ia se matar? –Indagou um dos meninos.
- Ia. Mas antes que eu morresse e me arrependesse pelo suicídio na última pulsação, lembrei de uma coisa.
- Se lembrou de desistir, é claro, como de praxe. – Satirizou Frida, rindo.
- E como de praxe, você se enganou! – Devolveu Beatriz. - Apenas me lembrei que uma reputação ridícula não vale o preço de uma vida. – Completou, enquanto dirigia um último olhar para Frida, e se encaminhava até sua carteira, sorrindo.
Sentou-se. Seu lugar era na primeira carteira, ao lado da parede onde ficavam as janelas da sala de aula, que davam vista para um jardim que tinha no pátio. Ela ainda sorria. E não se culpava por ter desistido de se suicidar. Não cometeria mais esse erro, seria o mais absurdo e inaceitável de todos.
Era hora de lutar para enfrentar essa vida cheia de dificuldades, críticas, falações, ou o que fosse. Desistir de morrer, já fora um enorme primeiro passo. Porque às vezes precisamos desistir de alguma coisa para então poder ganhar algo. E Beatriz ganhara a vida. Afinal, diante de tudo, o importante mesmo é se determinar a viver e vencer os obstáculos que vem nesse caminho. As outras coisas não são menos importantes. Contudo, são secundárias. E são conquistadas e vencidas com o tempo.

Viver! – pensou Bia mais uma vez – É disso que preciso!
Não se matou. Pela primeira entre muitas outras vezes que viriam, ela tinha sido forte. Porque em algumas específicas ocasiões, a força surge na desistência. O ato de desistir nem sempre é errado, dependendo do que se desiste.

3 comentários:

renatocinema disse...

linda reflexão para essa juventude, que acho perdida.

bela força para as palavras.

vinícius reis disse...

teu texto é interessantíssimo. senti falta de um desenvolvimento maior e da descrição do intervalo de tempo que ela passa em cima do prédio. interpreto a situação como uma espécie de ritual:

inanimação da vida ~> valorização da vida.

por isso, senti falta. parabéns (:

BlackRabbit disse...

diferente do cara do comentário acima, não acho q tenha faltado nada...
pois se escrevesse um maior desenvolvimento do intervalo em cima do prédio, cortaria a surpresa do final do texto...
^^
ótimo conto...
como sempre...
=***