sexta-feira, 25 de março de 2011

Experimento



Uma sensação de falta dominava todo meu corpo, fazendo com que ele e minha mente entrassem em um desespero cruciante. A necessidade era tanta, que me levantei da minha carteira, e chutei bruscamente minha cadeira, interrompendo a aula desprezível daquele professor patético de história. O barulho foi tão ríspido, e a ação tão inesperada, repentina, que todos viraram o pescoço para olhar para onde vinha o barulho. E todos olharam em minha cara.
Olhei para o rosto assustado de alguns dos meus colegas, olhei para o professor Marcos. Passando a mão direita em meu cabelo, olhei para meu lado direito, abaixando a cabeça enquanto meus olhos percorriam o chão. Meus olhos lacrimejavam. Minha vontade me ardia nas veias a cada pulsação acelerada que o órgão que havia em meu peito dava. Eu precisava, eu precisava urgentemente. Era um desejo tão grande, que me enlouquecia feito um cão quando vê um pedaço de carne. Mas eu era o cão que não estava vendo a carne. E eu precisava dela, e não a via, não a tinha.
O professor percebera minha inquietação, e eu notei que ela o incomodava. Ele me olhava como se estivesse vendo meu desespero por dentro, e minha agressividade por fora. Pediu gentilmente que eu me retirasse da sala, e eu não hesitei em sair.
Me dirigi ao pátio do colégio. Sentei-me num banco qualquer que havia por lá. Eu estava segurando a cabeça entre as mãos, louco, quando ouvi a voz de Flávio, que se aproximava de mim.
- Ei cara, o que houve? Por que deu aquele ataque na sala de aula?
- Aquilo que você me deu ontem. Eu preciso urgente daquilo. – Respondi rapidamente, enquanto minha inquietação só aumentava.
- Luís, você tem que se controlar. Quer que as pessoas percebam?
- Eu não consigo. Você tem aquilo agora com você? Eu preciso! – Disse impacientemente insistente.
- Tenho um pouco... Vem comigo. Conheço um lugar aqui aonde ninguém vai quase. Mas temos que ficar espertos. Lá tem janela, e há funcionários por todo lado neste colégio.
Levantei rápida e prontamente do banco em que estava e o segui. Andávamos olhando para trás, certificando-nos de que ninguém estava por perto. Chegamos em uma saleta. Havia só um armário abandonado encostado em uma parede lá. O resto era espaço vazio. Entramos, e enquanto Flávio trancava a porta, olhei para a janela, preocupado que alguém estivesse nos vendo. Mas não vi ninguém. Então deixei que minhas costas escorregassem pela parede da janela, até que eu ficasse sentado em baixo da mesma.
Flávio me jogou um pano quadricular de tamanho médio e eu o estendi no chão. Deu-me um canudo, e enquanto eu o apanhava, abriu um saquinho de cocaína e a enfileirou no tecido. Aproximei o canudo do pó, segurando-o com três dedos. E com o auxílio do mesmo, comecei a aspirar a droga.
Aquele cheiro entrava pelas minhas narinas, e o efeito era rápido. Meu coração pulsava ainda mais rápido, mas agora eu sentia alívio e não mais desespero. Ah que sensação divina! Aspirei, aspirei, até me sentir saciado. Flávio na porta, cuidando para que ninguém entrasse. Assim que me senti bem e satisfeito, inclinei minha cabeça para trás, encostando minha nuca na janela em que eu olhara preocupado antes de me sentar ali. Fechei os olhos, respirei fundo, tranquilamente. Mas logo os abri, vivos. Levantei-me dali, já não tinha mais vontade de ficar parado. Havia um extremo bem estar explorando meu ser. Um bem estar que me fazia até mesmo querer voltar para a sala de aula, e conversar com aquele professor que eu odiava. O pó era tão bom, que me fazia amar até mesmo quem eu detestava. O pó era divino, divino!
Só não voltei para a sala de aula, porque o professor Marcos não permitiria que eu ficasse andando por ela. E eu precisava andar sem parar. Eu me sentia ativo, feliz, disposto. Meu coração batia forte, vivaz.
Flávio guardou tudo dentro da blusa de frio preta que usava. Saímos da sala. E nisso, tocou o sinal para o recreio. Eu fui perambular pela escola, que por sinal, era bem grande. Mas quando cheguei perto da cantina, vi Manuela com Flávio.
- Você ofereceu a ele não foi? – Ela perguntava, e sua voz soava séria, preocupada.
- Ele me viu usar ontem, e quis experimentar.
- Não devia ter dado a ele, Flávio. Você sabe que o Luís não tem lá um bom autocontrole. Você não tem idéia do que fez?!
- Eu não tenho culpa, beleza?! Eu só ofereci, quem quis usar foi ele. – Flávio deu de ombros, virando as costas pra ela. Então entrei em cena.
- Manu... Vocês estavam falando de mim?
E os olhos dela lacrimejaram, e havia tristeza sincera naquele olhar, que respondia caladamente a minha pergunta. Saiu de perto de mim, antes que eu dissesse algo. E foi então que me arrependi amarguradamente de ter pensado em experimentar cocaína, e pior ainda, por ter mesmo experimentado. Eu amava a Manuela, e ela também a mim. Voltei instantaneamente no tempo, e me lembrei do dia em que ela me contou que tinha medo de traficantes, viciados em drogas. O amor da minha vida correu, porque estava com medo de mim. Mas ela correu chorando, porque me amava e sei que lhe doía ter de me deixar.
Ah, como me revoltei. Foi um desespero tão grande, uma angústia tão forte, que nem mesmo a cocaína poderia me tirar. Eu estava me odiando. Perdi Manuela, perdi minha felicidade, minha alegria. Perdi todo o bem que somente a companhia dela me proporcionava. Ela tinha medo de me ter por perto agora. Talvez tivesse medo de também querer usar. Ela sabia das conseqüências, e eu não só as conhecia, como estava vivendo-as. Chegava em casa todo dia, e esmurrava a parede. Queria demais não ter que sustentar o vício por algo que viciei de primeira.
Inconformado, fico pensando... O único vício humano devia ser amar. O amor é a única droga que vale a pena. E eu, idiota, experimentei uma única droga diferente, perdi meu amor. Ah... Perdi tanta coisa, perdi tudo, ao provar outro tipo de droga. QUE DROGA!
Tudo que mais desejo agora, é que meu amor por ela seja maior que meu vício. Não vai ser fácil, mas vou me esforçar pra sair dessa. A cocaína vai me destruir, e afastar pra sempre a Manuela de mim. E minha vida sem ela, sinceramente, não é digna de ser vivida.

Uma nota:
Companheiro,
não experimente, vai viciar.
Se quiser ficar bem, viajar, experimente outra droga.
Uma que é tão saudável quanto respirar.
Experimente exclusivamente, o amor.
Dope-se e dele e de mais nada irá precisar
.



# Pauta para os projetos Créativité e Bloínquês.



4 comentários:

renatocinema disse...

Seu conto é triste, tenso. Gostei. A mensagem final, verdade pura.

Li um livro anos atrás, chamado Eu Sou Foda.....de Hermes Leal. Outro soco de verdade.

Parabéns

Amor é viver.

Jéssica Trabuco disse...

Triste mesmo. Mas, infelizmente, é a realidade de muitos jovens no nosso país. Uma pena.
Devíamos nos drogar de amor.

Rene Santos disse...

Apertou o coração,mas pura realidade.
Um companheiro que te faz sentir cada vez mais só.

Vamos viver de amor !!!

Beijos

Cristiano Guerra disse...

Letícia, tem vezes aue você é boa; mas tem vezes, nega, que você arrasa.

É claro que eu adorei o tema, é claro que eu adorei a construção, e é claro que você mereceu os dois '10' que tirou nas avaliações.

E o mais importante, é que você nunca esquece de trazer aquela sua característica que eu acho mais digna: a moral da história.

Parabéns