domingo, 13 de fevereiro de 2011

Humilhações e insultos


A cada dia de nossa divina existência, passamos por várias situações, através das quais passamos a entender e aprender algo. E naquela quinta-feira de janeiro, entendi e aprendi uma coisa muito importante, que poucos aprendem: Ouvir o que o outro tem a dizer, não importa o que seja. Mas ouvir até o final. Mesmo que o que esteja sendo dito me cause desgosto.

Eu estava num ônibus com destino à São Paulo capital. Distraído, olhava pelo vidro da janela, para as árvores que lá fora estavam. Eram meio que borrões. O ônibus devia estar acima da velocidade média que lhe era permitida atingir, com certeza.
Havia um homem do meu lado e levei um pequeno susto quando ele pigarreou, me tirando da distração de olhar lá para fora sem pensar em nada.
- Você é de onde, jovem? – Ele deu início a conversa, arrumando seu óculos no rosto.
- Sou de Campinas. E o senhor?
-Sou de Araraquara... Já morei em Campinas. Uma cidade boa. Aliás, foi lá que eu nasci.
- Por que não mora mais lá? – Tentei puxar assunto para não ser indiferente.
- Um homem para quem eu trabalhava, estava me enlouquecendo. Só pude ficar livre dele, com uma desculpa mentirosa de que minha mãe precisava de ajuda, e então, eu teria que me mudar de cidade. Mas eu menti feio. Minha mãe morreu quando eu tinha dezesseis anos.
- Sinto muito pela sua perda. – Lamentei.
- Tudo bem. Isso já faz muito tempo. Mas e você, o que faz da vida?
- Faculdade de psicologia. Vou me formar este ano. E o senhor, o que faz?
- Me chame de você. E meu nome é Lauro. – Fez uma breve pausa, continuou – Eu não trabalho, não tenho filhos, nem pais, nem nada. Minha mulher era rica. Me deixou viúvo. Então estou vivendo de sombra e água fresca. Às vezes viajo, para passar um tempo fora de casa.
“Que vida desperdiçada”, pensei. Mas nada disse. Porque Lauro voltou a falar:
- Sabe... Ser assim me faz lembrar daquele meu ex patrão, que eu não suportava. Eu era segurança dele, e ele me tratava mal, gritava. Era arrogante, orgulhoso. Mas no fundo acho que ele sentia inveja de mim. Porque eu só trabalhava porque minha mulher não gostava que eu ficasse à toa, pois de dinheiro, eu não precisava. Esse homem é muito conhecido em Campinas. Seu nome é Álvaro Bittencourt. O conhece?
Assenti com a cabeça e respirei fundo.
- Ele também me tratou mal, gritava comigo, dizendo que eu nunca seria alguém na vida, alguém como ele. Mas para mostrar que eu era capaz de ser o contrário do que ele dizia, resolvi me formar no que eu mais gosto. Agora estou quase a terminar. E Álvaro já era um tanto orgulhoso sim. Contudo, agora ele está muito mais. Só que esse orgulho a mais, se deve a minha formação. Ah, e falando de orgulho, acho que ele é orgulhoso demais para sentir inveja de algo. – Comentei.
- Hum... Nunca discutiu com ele? Já perdi várias vezes as estribeiras com seus insultos.
- Não, eu nunca discuti. Eu levava aqueles insultos todos como um incentivo para que eu me tornasse uma pessoa melhor.
- Nossa, mas que interessante isso! – Ele comentou, refletindo. – E o que você era dele?
- Filho. – Respondi rápida e prontamente.
Lauro ficou visivelmente sem jeito, e pigarreou mais uma vez, encerrando a conversa do mesmo modo que a havia começado.

Virei novamente meu rosto para a janela, olhando lá fora. Já não havia mais borrões, o ônibus andava mais devagar. E desta vez eu estava pensando. Pensando que de fato meu pai era orgulhoso por ser uma pessoa importante; era arrogante mesmo e muitas vezes feria as pessoas com as palavras humilhantes que dizia. Se ele era assim até comigo, seu filho do mesmo sangue, quem dirá com seus funcionários.
Todavia, eu sempre soube que sempre havia algo de bom para tirar de algo ruim. E das palavras de meu pai, que saíam como pedras a acertarem-me na cara, eu tirei um incentivo puro para me formar na profissão que eu mais queria, e então, fazer com que essas pedras não mais me ferissem, respectivamente.
E eu realmente estava alcançando meus objetivos. Ah, eu tinha que abraçar meu pai e agradecer muito por ele ser quem era. Porque eu devia tudo que era, a ele.
Afinal, só num vence na vida quem se deixa fraquejar, dizia ele. Não há desculpas para não ser alguém melhor, ter um futuro com aquilo que gosta, quando até mesmo humilhações e insultos podem te servir de base de sustentação.
Atender tudo como um incentivo positivo é a questão mais solucionada que aprendi. Porque meu emocional era uma terra num vasinho, que no caso, era eu. Minha vontade de ser algo era a semente plantada. E meu pai, era a pessoa que a regava todos os dias, cultivando-a em mim mesmo.

3 comentários:

renatocinema disse...

A vida é feita de bons diálogos. Seja numa mesa de bar, num ônibus ou após fazer amor.

Aprendemos muito com eles.
Por isso sou fã de Quentin Tarantino pela riqueza dos diálogos.

Eu imagino essa conversa num filme de Tarantino.......onde o final..vc sabe.

renatocinema disse...

A vida é feita de bons diálogos. Seja numa mesa de bar, num ônibus ou após fazer amor.

Aprendemos muito com eles.
Por isso sou fã de Quentin Tarantino pela riqueza dos diálogos.

Eu imagino essa conversa num filme de Tarantino.......onde o final..vc sabe.

BlackRabbit disse...

me identifiquei...
no meu caso não foi meu pai, e as pessoas não eram TÃO arrogantes...
mas os insultos me serviram de empolgação pra fazer o que eu queria...
só falta me formar agr...
xD~~~