sábado, 19 de fevereiro de 2011

A perda















Dizem que, a muito tempo, muito tempo, um poeta japonês escreveu em uma rocha um poema de três palavras intitulado Dor. Então depois de pronto, ele rasurou tão brutalmente cada palavra que elas não mais puderam ser lidas. Porque a tristeza é isso, se contarmos o quanto ela dói, ninguém entende. Ela só pode ser sentida. Pedro repetiu tantas e tantas vezes essa história para si, que havia se convencido que ninguém jamais entenderia a dor que ele sentia naquele momento; não choraria mais. Afinal, já estava quase na hora do enterro e ele, ainda ali, sentado a ponta da cama, apenas de cueca e meias apertando seu crucifixo com o polegar e um dedo, ainda tinha de terminar de se arrumar. Em breve teria de ver descer em alguns metros de terra fria dois caixões. Mesmo tomado coragem e rezando todos os dias, não estava preparado para o último adeus. Levantou-se e começou a vestir a camisa do terno, e a calça e o cinto e a amarrar aqueles sapatos tão lustrados. Um nó a gravata, penteou os cabelos e encaixou os braços no casaco do terno. Estava pronto, e então se olhou no espelho. Sempre fora um homem bonito, muito bonito. Mas naquele fim de tarde, não havia beleza o reflexo. Havia um moço de semblante triste, muito triste, com olhos inchados e rosto pálido. Realmente estava pronto, e antes de sair do quarto pegou as flores que havia comprado. Apenas duas, um lírio para sua mãe e uma rosa branca para seu pai. Saiu de casa em silêncio, e dirigiu até o cemitério se perguntando o porquê. Porque tão de repente? Porque um acidente de carro? Como seria a dor e o desespero de sete capotadas? E como seria a vida dele assim tão sozinho? Chegou o enterro e não muito tempo depois, iniciou-se a cerimônia. Não prestou atenção em nada. Apenas jogou as duas flores, cada uma em seu lugar despedindo-se com várias e várias lágrimas teimosas. Abraçou a todos que o vieram lhe cumprimentar, e até devolveu alguns sorrisos tristes em retribuição aos sorrisos de consolo que te davam juntamente com os tapinhas nas costas. E então se afastou dali, novamente pressionando o crucifixo e implorado aos céus cinzentos daquele dia que tudo ficassem bem. E embora tentemos compreender o quão infeliz a dor daquele moço, jamais entenderemos. Porque a dor não se entende, se sente apenas.

3 comentários:

renatocinema disse...

Falou tudo no inicio: se contarmos o quanto ela dói, ninguém entende.

Jéssica Trabuco disse...

E a dor... ninguém consegue comparar e nem imaginar.
Cada um sabe e entende a sua dor.
Forte o post!

Letícia R. disse...

Texto fortíssimo.
E cheio de razões tipo: "Porque tristeza é isso, se contarmos o quanto ela dói, ninguém entende."

Acho que posso imaginar a dor de alguém e até sentir doer em mim. Mas sentí-la exatamente como quem a sente não.

Gostei bastante do conto. Curtinho, porém muito significativo. *-*