sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Revolta e balas





















Finalmente Júlia estava voltando para casa, às duas da tarde, numa quarta-feira qualquer, após mais uma manhã de aulas. Passos rápidos porque como todos os dias, o dia de hoje está muito corrido, muito pequeno para ela e para todas as pessoas que tem mais compromissos do que vontades. Ela nem acreditou quando a porta do elevevador abriu e ela finalmente pôde chegar em seu apartamento. 10 minutos para comer, e no máximo 15 para tomar um banho e arrumar-se completamente, afinal ela tem dentista as três e meia. As cinco já tem que estar no colégio novamente, porque terá aula até as dez. E quando acabar a aula, tem que arranjar mais tempo para responder uma gigantesca apostila de literatura, dois assuntos de matemática e os capítulos de química.
Literalmente engole o reduzido almoço light, já pensando nas baterias de prova de amanhã de tarde, no serviço doméstico que ainda tem que fazer porque seus pais estão viajando e que ainda não fez as pazes com o namorado. Como é possível gerenciar tanta coisa ao mesmo tempo, ninguém sabe. Mas Júlia simplesmente tem de sobreviver a isso, pois é o correto a se fazer. É então que ela voa para o chuveiro e quando a água quente começa a percorrer seu corpo trazendo aquela sensação de conforto, ela percebe que seu cansaço é muito maior do que seus bolsos. Talvez seja porque nunca mais dormiu cedo ou porque nunca mais teve tempo de pelo menos pensar nisso. Por um curto período ela cogitou e reavaliou a ideia de ficar só ali, com a água escorrendo pelos ombros e mais nenhum pensamento. Mas não, ela não podia. Um protocolo a seguir e ficar parada? Desligou o chuveiro e em dois passos já estava no quarto colocando uma roupa.
E então ela sentou na cama, num pequeno lapso de memória e julgamento de conduta. Não, ela não queria fazer tudo isso, pelo menos não hoje. Não queria ir à consulta, não queria ir para a aula e não queria estudar depois. Muito menos ter que dar satisfação ao namorado e limpar sozinha uma casa. Nem passar a quarta esperando a quinta-feira com suas provas e continuar num regime insuportável. Uma dúvida terrível: será que hoje, só por hoje, ela podia fugir? O que acontece se jogar tudo para o alto? Levanta e continua a por a roupa. Desce e vai para o ponto de ônibus, e pega um para o lado contrário de onde deveria estar indo. Júlia estava decidida, hoje faria somente o que queria, estava indo para o centro.
Passou por um sebo, fez unhas e comprou uma pulseira. E se realizou numa loja de doces. Não atendeu a nenhuma ligação pois certificou-se de desligar o celular, parou numa banca de flores e esquecendo da consciência gastou todas as horas de sua tarde perambulando. Chegou cedo em casa, tomou um banho de meia-hora e comeu metade da geladeira. E como ato final, deitou na cama e dormiu sem se preocupar em ajustar o despertador. Naquela tarde, Júlia foi feliz,verdadeiramente feliz. Porque como a muito tempo não fazia, sentiu o gosto de ser ela mesma.

4 comentários:

Rodolpho Padovani disse...

Preciso seguir o exemplo dela e fazer exatamente tudo o que eu tenho vontade, sem culpas e desculpas pelas minhas vontades.

PS: Eu tava torcendo para que ela fizesse tudo isso mesmo, haha.

renatocinema disse...

É complicado seguir esse dia de felicidade. Mas, depois passar por Coma, Uti e Principio de Infarto eu tento seguir esses dias muitas vezes em minha vida.

Vanessa Paganotti disse...

Queria poder fazer isso também. Um dia ao menos. Parabéns!

Letícia R. disse...

Oin, vida corrida é o que mais anda atrapalhando as pessoas atualmente. Me identifiquei até com a personagem. Adorei o texto.
E o que ela acabou fazendo, apesar de inusitado, foi ótimo *-*