sábado, 4 de setembro de 2010

Domingos passados


















Era domingo. Mais um domingo e o galo ainda cantava, o dia nasceu. Acordei mais cedo que de costume e vi meu pai sair. Todo domingo era assim, ele saia cedinho pra trabalhar na cidade mais quando voltava estava bêbado. Eu sempre orava pra que ele parasse de beber e aos domingos eu orava umas cinco ou sete vezes, morrendo de medo. O dia passava mais rápido do que eu queria que passasse. O medo me invadia cada vez mais. Orei duas vezes seguidas pedindo a Deus que meu pai chegasse sóbrio e não tivesse bebido. Inútil. Eu sabia que as minhas orações eram inúteis, mas nunca parei de orar. Semana passada meu pai quase morreu de uma queda de moto. Toda semana acontecia algo assim. Eu nunca disse uma palavra, nunca conversei com ele, mas eu falava em pensamento, gritava tanto. Pena que ninguém podia escutar o que eu pensava. A tarde quase acabando, tentei me acalmar. Lembro-me bem, estava lendo os miseráveis naquela época, chorava a cada duas páginas. Escutei o barulho de uma moto e pensei que fosse ele, mas não. Nunca consegui entender o porquê de a minha mãe ficar tão calma enquanto eu quase tinha um ataque do coração com aquela espera. Meu coração batia como os sinos de uma igreja, ressoando badaladas. Tornei a escutar barulho de moto, dessa vez era ele. Estava bêbado, com os olhos avermelhados. Entrou em casa e olhou pra minha mãe que estava na cozinha, ela olhou de volta e não disseram uma palavra, nem um nem outro. Ele abriu a geladeira e começou a jogar tudo no chão. Minha mãe tinha feito as compras no dia anterior e ele estava lá, jogando tudo fora. Primeiro a lata de manteiga, depois as verduras, garrafa de suco, presunto, queijo... Eu só assistia e minha mãe gritava pra ele parar, mas ele não parava. Era como se ele não escutasse ninguém. Depois jogou longe as cadeiras e quebrou a mesa de madeira com as mãos. Gritava “droga de vida, droga de família.” Eu parada, sempre fui uma inútil, idiota... Nunca tive coragem de abrir a minha boca, só chorava. Ele via como eu ficava, mas acho que nunca ligou. Era como se eu fosse um fantasma pra ele, apenas um fantasma andando pela casa que não precisava ser visto. De repente ele parou com a gritaria e entrou pro quarto. Trancou a porta com chave. Minha mãe e eu fomos até a casa de uma amiga dela, mais meu pensamento estava sempre no meu pai. Depois de algumas horas voltamos pra casa e quando chegamos todas as luzes estavam apagadas, a porta do quarto ainda trancada. O som alto, tocava um vinil antigo de meu pai. Minha mãe olhou pela fechadura e viu que ele estava com uma corda pendurada no pescoço, se desesperou. Ajudei a empurrar a porta até ela abrir. Tiramos a corda do pescoço dele e o deitamos na cama. Comecei a gritar – Pai acorda, acorda... Mas nada. Eu queria que ele abrisse os olhos pra que eu pudesse dizer tudo que estava entalado. Tarde demais. Só restava o desespero, e um medo que sumia e se transformava em lágrimas. Que mais me podes dar, que mais me tens a dar, a marca de uma nova dor. A musica alta. Meu pai morreu em 2001 com menos de quarenta anos. Às vezes eu imagino como seria se ele ainda estivesse vivo. Uma coisa levei disso tudo, vou pensar bem antes de casar.

"História fictícia."

9 comentários:

Winny Trindade disse...

É um prazer fazer parte desse blog.

Abraço meu.

Nina disse...

Nossa! que triste. Sinto muito. As vezes se falássemos o que estava entalado,coisas poderiam ter sido evitadas (falo isso por experiência própria)
Um beijo♥

Nina

Silene Neves disse...

Sua história fictícia me remeteu violentamente ao passado.

Até o momento que ele entra no quarto. Aquilo tudo eu vivi na minha infância. Sobre jogar as coisas da geladeira fora e quebrar a mesa, muito real para mim!

Tinha medo de perder meu pai a cada bebedeira dele, a cada quebradeira que ele fazia em casa.Naqueles domingos intermináveis...

Mas, felizmente ele superou o vício. Hoje ele tem 60 anos, é um pai presente e ainda faz visitinhas para os seu netos (meus filhos). E acredite! Eu amo o meu pai! E o melhor! Tive e tenho tempo de dizer isso para ele sempre.

Bom demais passar por aqui.

Beijos da Sil.

Obs. Obrigado pela visita e por seguir-me.

Camila Mancio. disse...

é realmente lindo o jeito que você coloca as palavras, lindo texto.
grande beijo.

Fabiana disse...

aah em pensar o que os casamentos fazem... absurdamente real. também pensarei bem antes.

Nini arrasa (:

Cristiano Guerra disse...

Nini, você veio com tudo nesse! Me arrepiei aqui enquanto lia... Fantástico!

BlackRabbit disse...

eu li antes...
lahlahlah...
shiaushaiushuiashiaushiushi...
como marido eu tenho meus privilégios...
xD~~~
bjaum marida...

PRECIOSA disse...

Muito me emocionou... triste demais
dE Pensar que nesse momento em muitos lares acontece tudo o que vc relatou, o mêdo, o silêncio,
O sofrer sem conseguir gritar ao mundo o que esta acotecendo, doi muito...Precisamos orar, mesmo quando parece não adiantar.
Com certeza Deus escuta nossos pedidos..temos que confiar ter paciência para vencer...
Beijos no coração
Preciosa Maria

Rodolpho Padovani disse...

Bom, o Cristiano e vc começaram arrasando já, espero manter o nível, hehe...
O texto ficou muito bom, trágico, triste, mas realista apesar de td.
Gostei muito, essa nossa franquia tem grande chance de ser um sucesso ^^