Ninguém entendia
porque ele era o único ali que rejeitava a companhia de uma cortesã.
Meio estranho ir a um salão de festas não convencional e não
aproveitar do melhor produto. Ele apenas pedia a companhia de uma
cerveja, que nos últimos dias havia se tornado, também, sua melhor
amiga. Não era tão normal, mas o deixaram entrar com um cachorro
dentro do salão e o cachorro ficava ali, ao lado dele, olhando na
mesma direção, o palco.
No palco dançava
a estrela da noite: madame Catrina. Linda mulher de cabelos pretos
enormes, corpo estonteante. E em trajes tão curtos e bem delineados
ao seu corpo sua áurea de bailarina se tornava esplendorosíssima.
Mesmo ela tendo aprendido a tão pouco tempo a arte dança.
Movimentos sensuais, olhares provocantes para o público, uma meia
luz que deixava o ambiente ainda mais hipnotizante... e ele ali, a
olhando como quem olha seu tesouro. Seu cão quieto e estático. Se
alguém conseguisse visualizar bem a cena perceberia que seus olhares
pareciam iguais, como se fossem dois em um, a mesma pessoa, ou mesmo
cão; é bem possível que seus sentimentos fossem iguais também,
bem possível que dentro de seus corações estivessem batendo as
mesmas sensações. Ele pediu a conta, pouco depois de recusar mais
uma cortesã que se oferecera pra ele, como se ele fosse alguém de
quem a vida dela dependesse. Antes de o garçom que o serviu a noite
inteira chegar com a conta ele sentiu um pesar enorme, junto com a
tristeza de tomar consciência do que ela havia se tornado. Dançando
ali para outros homens ela parecia, enfim, estar feliz. Sim, aquela
era de fato sua esposa, ele precisava ver por ele mesmo. Não gostava
de dar atenções a boatos. Ele ainda a considerava esposa... ela já
havia saído de casa a meses por reclamar da desatenção dele. Sabia
que aquilo era uma desculpa dela. Já sabia que acabou naturalmente o
casamento deles, pois o amor permanecia. Ao menos o dele por ela.
E ali, vendo
aquele show, a vendo tão linda e feliz, ele percebeu que qualquer
sentimento que ela tivesse por ele já não existia mais. Pagou a
conta assim que o garçom chegou com o bloquinho de notas. Ele sabia
muito bem que já havia pagado suas contas. As que tinha consigo
mesmo. Deixou um valor a mais para o garçom sorrir um pouco, pois
ele mesmo já não tinha vontade disso. Aliás, sabia que aquilo era
muito para aquele garçom que o serviu tão mal. Se levantou e o cão
o acompanhou, ele também sentia falta de sua dona, mas talvez tenha
sabido lidar melhor com a situação de se separar de alguém que se
ama. Perto da porta olhou para o palco mais uma vez. Seus olhares se
cruzaram e ele notou que não guardava mágoa daquela mulher, não
poderia, ela não havia feito nada contra ele. Sabia que naquele
olhar não havia marca nenhuma de amor. E aceitou aquilo. Sabia que
aquele olhar era o último. Quando percebeu que a atenção de outros
homens haviam se voltado a ele, se virou, foi embora. Ela olhou
rapidamente para o cachorro que, além de um olhar, ganhou, também,
um sorriso. Voltou a dançar normalmente e por um segundo pensou que
aquilo poderia ser uma distração qualquer, que talvez não fosse
ele, que tinha se confundido. Ele seguiu andando, com um último
olhar de consolo no coração.
2 comentários:
Um belo conto meu caro Fernando, gostei!
forte abraço
c@urosa
A vida continua.
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