sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Agora é tarde demais


Os olhos permeáveis dela deixavam claro que o corpo dela queria o dele bem próximo, a realizar peripécias que ele tentava desvendar a cada troca de olhares.

Eles eram amigos e dos bons. Um sempre contava o segredo para o outro, sem qualquer receio. Passavam horas e horas conversando sobre coisas corriqueiras. Ora no MSN, ora via SMS, ora por telefonemas e algumas vezes naquela lanchonete Quirino, em Roma. Mas havia um segredo que ambos guardavam dentro de si, especialmente Dalton porque não era apenas um.
Toda vez que via os olhos crus de Dalton, os seus se despiam para revelar o segredo que ela insistia em mantê-lo.

Mag namorava um cara descompromissado e pretensioso. Ela sabia disso e temia-o. Queria terminar o relacionamento que se arrastava há três anos, mas que não tinha o amor que ela esperava sentir. Ela tentara não por uma, não por duas, mas por várias vezes jogar o álcool das indignações e atear fogo com o fósforo de suas palavras, mas a caixa estava molhada de medo e insegurança. Então, toda vez que tentava raspar o palito, nenhum fogo surgia. Cansada de persistir em seus erros, ela resolveu trocar a caixa e colocar fim em algo que não devia nem ter começado.

Falar com Dalton era como descarregar a cruz de suas dificuldades e diariamente fazia isso. Chegava do trabalho correndo, tomava um banho, ligava o computador e já estava prestes a conversar com ele para esvaziar-se dos problemas.
Numa certa tarde, ela foi liberada mais cedo do serviço sem saber o real motivo, mas estava contente demais para preocupar-se com isso. Trabalhou apenas meio período e convidou Dalton para ir a tão lanchonete de sempre. Havia entrado no MSN, ele não estava lá; mandou SMS, ele não respondeu. Resolveu ligar.
Seu tom de voz estava diferente, estranho, porém, ela não se deixou levar. Acreditou quando ele disse estar tudo bem.
Ela tomou banho, vestiu um vestido negro que ele adorava, pois realçava a cor de sua pele. Prendeu os cabelos e foi ao seu encontro. Ela estava sedenta de saudades. Por mais de vinte dias ela não falava com ele, porque Dalton a informou que havia tirado férias do trabalho e passaria uns dias fora da cidade. Para Mag foi como um martírio. Estava mais do que disposta a revelar o seu segredo naquela tarde. Ela se declararia para ele custasse o que fosse. Já não aguentava mais aquela vontade de saber a resposta, se havia reciprocidade.
Sentou e resolveu esperá-lo. Mag sempre chegava antes dele nos encontros. Pediu uma água tônica e ficou esperando.
Meia-hora e nada dele.
Uma hora se passou e nem notícias. Ela mandou uma SMS e nada! Resolveu ligar. Caixa postal. Ficou lá, parada, por alguns instantes refletindo o que pudera ter acontecido.
O garçom se aproximou e perguntou se estava esperando alguém, se era Dalton - como de real costume e se ela desejaria mais uma água.
- Só estou esperando Dalton mesmo. Hoje ele se atrasou demais – ela riu, embora demonstrasse preocupação entre seus lábios.
- Ora, mas ele nunca se atrasa.
- É, por isso que estou preocupada. Já mandei mensagem, liguei e nada. Há duas horas estou aqui. Cansei de esperá-lo.
- Mag – ele se segurou para não dizer, respirou fundo e resolveu terminar –, ele te deixou um negócio aqui. Ele pediu para que eu entregasse quando ele se atrasasse num encontro.
- Ora, por que não me disse antes? Me entregue logo, por favor – dizia ela em tom amigável, porém, preocupante.
Ele virou as costas, abriu a gaveta do galpão e entregou o envelope.
Mag pegou e sentou-se. Estava tão curiosa, tão atônita que nem sequer teve a preocupação de agradecer seu amigo garçom.
Abriu e leu:

Olá, querida pequena.

Sei o quanto você se irrita quando a chamo assim, mas é por uma boa causa. Sempre amei sua altura e se te chamo assim é da forma mais carinhosa possível.
Pedi a Nitty que entregasse esta carta quando me atrasasse em algum dos nossos tão corriqueiros e adoráveis encontros. Talvez você não esteja entendendo nada e saiba que eu não queria que fosse dessa forma.
Mag, Mag... Eu fui fraco! Prometi a mim mesmo que não me apaixonaria por você, por esses olhos, por essa pele macia que eu adoro envolver os meus braços. Prometi que não me apaixonaria por esse seu jeito doce de me tratar, de perguntar da minha família e se preocupar com tudo que me pertence. Fui fraco porque não consegui nada disso, pelo contrário, me apaixonei por cada detalhe seu e sei que não devia.
Tantas e tantas vezes você me dizia do seu namorado e a vontade que eu tinha era de meter um soco na fuça dele. A inveja que sentia por saber que ele a tinha por completo, era tamanha que por vezes chorava calado. Sabe por que nada fiz? Sabe por que nunca tentei beijá-la? Sabe por que nunca arrisquei nossa amizade no amor mais verdadeiro e doce possível? Porque você não poderia ser feliz comigo e isso me faria sofrer.
Eu tenho uma doença grave, Mag. Tenho leucemia e o câncer já invadiu meu estômago, intestino e meus ossos. Não viajei porcaria nenhuma. Fiquei internado para ver se me curava e, então, pedi-la em casamento. Não queria te fazer feliz por alguns segundos e depois fazê-la chorar a vida inteira por não ficar ao meu lado. Preferia te ver sorrir com outro alguém do que fazer brotar um sorriso em seus lábios que eu mesmo arrancaria depois. Não sou egoísta. Nunca falei da minha doença por isso.
Sabe essa pequena chave que você carrega em seu pescoço? Pegue-a e vá até o meu quarto. Minha mãe já sabe de tudo. Está autorizada para ir a hora que quiser. Lá tem um baú, abra-o com essa chave e a cada dia, desde o dia que te conheci, escrevi uma carta para você. Leia uma por uma, mas não chore pelo meu fim... Eu estarei dentro de você anulando todas as dores que ousarem bater na porta do seu coração.

Eu te amei, te amo e te amarei, não enquanto eu existir, mas enquanto você existir, porque eu já estou morto, mas meu amor permanece vivo até a sua última respiração.

Perdoe-me por tudo.
Com amor, do seu gigante,
Dalton!

Uma poça de lágrima se formou na mesa e toda aquela angústia veio à tona depois de quatro anos sem o Dalton. Ela estava na mesma lanchonete, na mesma mesa, na mesma posição e com a mesma carta em suas mãos, olhando para fora, do mesmo modo em que estava esperando-o. Ela recordara cada momento do que vivera e sempre repetia as mesmas coisas, todo dia quatorze de fevereiro, o dia internacional do amor que, para ela, era considerado todos os dias a partir do dia em que Dalton passou a existir.
“Sinto muita saudade, essa é a verdade” – ela pensou, enquanto saía do local, secando suas lágrimas. Mas, além da saudade, ela sentia arrependimento, raiva de si mesma por nunca ter se declarado antes. “Martirizarei-me pelo resto da minha vida” – ela estava convicta e certa disso.

#Pauta para o Bloínquês

2 comentários:

renatocinema disse...

bom.....muito lindo. dos melhores que li até hoje aqui.

Meio filme romântico, meio drama pesado.

Lara Vic. disse...

texto incrível, quase chorei. Achei que ia ser uma coisa um pouco cliche, amigos que se apaixonam e tal, mas me surpreendeu completamente. Lindo mesmo, no mínimo entra no pódio! Boa sorte *-*

recantodalara.blogspot.com