Ainda muito sonolenta, com o corpo implorando por mais descanso, Alícia acordou esfregando os olhos com as pontas dos dedos, já que a vista acostumada com o escuro das pálpebras fechadas embaçava-se toda e ardia um pouco ao se deparar com a luz do sol que nascia lá fora e inundava o interior do quarto de claridade.
Sentou-se na cama com esforço. Ela queria andar, mas a exaustidão do corpo parecia não querer deixar. Lutando contra seu corpo, que parecia ter vontade própria, levantou-se. Vestiu uma roupa fresca e decidiu lavar o rosto com água fria para ver se despertava. Nada. Mas, calçou seus chinelos e saiu pela porta da sala. Tudo isso lhe custava, mas a ideia de passar uma manhã de domingo linda e iluminada como aquela dormindo, doía-lhe fervorosamente.
Ao fechar a porta e virar-se de frente para a rua, viu algumas crianças correndo para lá e para cá no jardim que havia na rua logo em frente. Algumas mulheres, fossem mães ou babás, pareciam observá-las de longe.
De súbito, uma vontade de chorar. Chorar como uma criança chora quando quer alguma coisa e não ganha. E Alícia sabia bem como era chorar por isso.
Piscou firme algumas vezes para afundar as lágrimas que quase lhe afogaram os olhos. Deu certo. Então, foi caminhando até aquele jardim. Quando estava quase chegando, uma daquelas crianças, uma menininha, veio correndo ao encontro dela, falando ansiosamente:
- Moça, moça! – Ao que Alícia olhou atenciosamente – Como faço isso funcionar? – Perguntou a menininha, estendendo a mãozinha para cima, segurando um fazedor de bolhas.
Alícia olhou da menina para o objeto e então abriu um sorriso enorme. Mas a tristeza da lembrança bateu logo: sempre quisera um daquele. Porém nunca o tivera. E seu sorriso desmanchou-se aos poucos.
- Moça?! – A menininha chamou ainda com a mãozinha estendida, interrompendo Alícia de seu devaneio.
Alícia pegou-o e chacoalhou-o. Desrosqueou a tampinha, colocou a bolinha onde havia água com sabão de frente com seus lábios e soprou forte. Várias bolhas de sabão saíram dali e iam flutuando para todo lado, devido ao vento. Quem assistia a isso, não sabia quem estava mais feliz, se era as crianças vendo as bolhas ou se era Alícia fazendo-as existir.
A felicidade daquela mulher todo mundo podia enxergar. Mas ninguém poderia entender o porquê dela. Não era por estar simplesmente fazendo bolhas. Era por desde muito pequena ter tido muita vontade de fazer aquilo. Cresceu sem nunca ter feito. Porque seus pais eram viciados em droga e ela crescera nas ruas, vendendo latinhas a pedido dos pais, para sustentar o vício dos deles. Além de tudo, eram pobres. Por sorte, após a morte de seus pais, criaram-na em um orfanato. Mas agora, com vinte e sete anos e morando sozinha, parecia nunca descansar, apesar de sempre dormir muito. Porque sua vida desde cedo nunca fora fácil e sempre fora cansativa demais.
Só que ali naquele momento, enquanto brincava com as crianças, feliz como jamais estivera algum dia antes e livre do cansaço que sempre a acompanhara, Alícia olhou para aquelas bolhas de sabão e refletiu sem dar muita importância...
Sua infância, ela desapareceu sem deixar pista alguma. Porque ela fora uma criança que assim como bolhas de sabão, nascem com um sopro e saem andando por onde são guiadas. Às vezes estouram de cara; às vezes demoram a estourar. Mas o fato é que sempre estouram e desaparecem como se nunca houvessem existido. E com sua infância, não fora diferente.
Mas e daí? Ah, como estava sendo bom poder fazer bolhas de sabão agora!
# Pauta para Bloínquês
Um comentário:
Gostei do texto, mas, a frase: "Nascem com um sopro e saem andando por onde são guiadas" é perfeita.
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