segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Pensar nos demais


Cada fio de seu pensamento buscava incessantemente uma maneira de responder aquela pergunta. “Por que parou de estudar”? – Mas pensar no que dizer era um tanto quanto difícil visto que cada palavra daquela pergunta ecoava em sua mente, fazendo-a voltar ao motivo, fazendo algo nela doer. Porque a lembrança ainda era tão viva, que lembrar era como se ela estivesse vivendo novamente.
- Hein? Quando foi a última vez que foi na escola? – Insistiu a menina devido ao silêncio que teve como resposta na primeira vez que perguntou.
E então não havia mais tempo de pensar em formas de respostas. Já que era para dizer, então que dissesse.
- Na minha época não havia escolas particulares. Filhos de abastados e filhos de pobres estudavam juntos. Eu até que era uma aluninha inteligente e esforçada. Ah, como eu era esperta em redações. Mas eu era pobre. – Fez uma pausa, olhando para o chão sem piscar. Estava distante, de forma a recordar-se de algo. Logo continuou – Eu tinha certa dificuldade em matérias difíceis como matemática. E também, minha mãe não parava em casa e, meu pai era um bêbado, servente de pedreiro que gastava o pouco dinheiro que ganhava no serviço, com travestis. Eu não tinha uma boa base em casa. E muito menos alguém que me incentivasse a estudar. Mas pelas condições em que eu vivia, até que eu era razoável.
“ Só que o desprezo com que as professoras me tratavam me atrapalhava muito. Não que eu me importasse, mas era humilhante. E isso me prejudicava no rendimento... Nunca mais esqueço do dia que tava aquele calor escaldante e a sala ficou cheia daqueles mosquitinhos chatos que ficam incomodando a gente nessa época. Eu não tinha boas roupas, mas eu era limpinha. E no meio da aula, eu tive que ouvir aquela voz estridente da professora dizendo:
- Estão vendo aquela menina ali? – E me apontou com o dedo indicador. E nisso todos os rostos se viraram para mim. – Ela não toma banho. É por isso que a sala está cheia desses mosquitinhos.
“Alguns riram. Outros menos arrogantes calaram-se, condoídos. Depois desse dia eu nunca mais voltei na escola. Minha mãe me levava à força, me puxando pelos braços, ou pelo nariz, orelha. Ela era meio louca mesmo. Só que eu apanhava, mas não colocava mais meus pés naquele lugar. E desde então nunca mais tive vontade de voltar. Porque eu sabia que aquilo nunca teria um fim.
- Pensei que a senhora tinha parado por preguiça. – Comentou a menina arrependida pelo que pensou e surpresa pelo que acabara de ouvir.
- Não devia pensar coisas assim de sua mãe, minha filha. – Rebateu a mãe, levantando-se do sofá em que estava e voltando aos seus afazeres.
A filha, que sentia vergonha de sua mãe ser a única entre as mães de todos os seus coleguinhas da escola a não terminar os estudos, agora já nem sabia o que sentia. Talvez estivesse em choque. Porque por crescer e estudar em meio de pessoas de bom e alto prestígio social, como ela, não havia parado para pensar em como seria a vida de alguém pobre, ainda mais em tempos passados. Sequer sabia que sua mãe havia sido.
A mãe refletia na cozinha. Tentava esquecer aquele passado traumático e humilhante. Mas alguma parte dela estava feliz por ter respondido a pergunta. Porque sua filha só tinha nove anos e ainda não havia aprendido a analisar por outro lado, a se por no lugar de alguém, a pensar no mal que algumas palavras - mesmo que ditas por brincadeira - podem causar no próximo.

# Pauta para Créativité e Bloínquês.


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