As pálpebras permaneciam pregadas pesadamente, foi a primeira coisa que notou em sua tentativa de despertar de qualquer pesadelo que a tivesse invadindo naquele exato momento. A tentativa foi um fiasco, os olhos não queriam submergir até a claridade, não ainda.
Manteve a calma, suspirou enquanto abstraía para si o ambiente em que estava. Sentiu um cheiro forte de álcool misturado a desinfetante, aquele cheiro era inconfundível, e ela o odiava. O desespero lhe invadiu, ouvia os *bips* cada vez mais acelerado. Hospital.
Forçou-se a abrir as pálpebras teimosas, e com demasiada dificuldade o fez. Olhou em volta, certificando-se de que realmente estava em um quarto hospitalar. Aquelas cores que eles achavam sugerir calmaria, na realidade a causava repulsa.
Tentou erguer o corpo, mas as forças lhe esvaíram, sentia-se completamente sedada.
Sair dali foi o seu primeiro pensamento, mas agora queria saber o motivo que a levou àquele lugar. Fechou os olhos tentando ligar-se à sua memória. E então um turbilhão desgovernado lhe envolveu. Sentiu-se tonta, queria regurgitar tudo aquilo.
A música Epitáfio estava sendo derramada em seu ouvido enquanto ela corria pela calçada. Não ouviu o barulho de freios falhos. Quando viu as luzes, já estavam muito próximas. Fora mergulhada em escuridão. Atropelada.
“O acaso vai me proteger enquanto eu andar distraído”, que ironia. – pensou lembrando a letra da música que ouvia naquela noite. Olhou para os braços que sustentavam as malditas agulhas, e tentou mover as pernas. As pernas.
Um sopro gelado lhe envolveu, ouviu uma canção de ninar entoada pelo medo que agora segurava a sua a mão gentilmente. O não sentir das pernas a fez pensar na morte, porque ela preferiria a companheira vestida por seu manto mórbido ao não sentir.
As mãos jogaram o lençol verde claro no chão, os olhos empoçados encararam os membros imóveis. Sentiu o filete pesado cortar o rosto. As lágrimas brotavam e desciam ritmadas aos gritos daquela que não sentia as próprias pernas.
O quarto onde só se ouvia o micro barulho dos aparelhos, agora estava agitado. Enfermeiras adentraram o lugar, a mulher permanecia gritando, até sentir o corpo entorpecer-se como conseqüência do novo sedativo.
Na porta do quarto uma figura masculina se jogava ao chão, colocou as costas no piso branco e pediu para que o deixassem lá. O fizeram. E o piso fora empoçado pela dor da impotência do outro. Ele sabia que aquilo significaria o fim para ela. E ele nada podia fazer.
A mulher se aproximou da consciência depois de algumas horas, e tudo voltou em uma velocidade ainda mais enjoativa. Dessa vez o vômito cobriu o piso. Ela encarou o homem que dormia na poltrona ao lado. E as lágrimas voltaram mais acesas do que antes. Os gritos foram engolidos, porque agora ela tomava a realidade em goles pesados e ferinos. O homem mexeu-se na poltrona, abriu os olhos que abrigavam olheiras profundas. Caminhou até a mulher, porque ela jamais poderia fazer isso. Suas mãos foram enlaçadas. As lágrimas de ambos entornaram em silêncio.
Superaremos essa juntos. Como sempre fizemos. – A voz dele soou deficiente. Mas ela a entendeu. E as lágrimas vieram mais rígidas e pesadas. Não quis dizer mais nada, porque não havia mais nada a ser dito. Na saúde e na doença. – disse ele beijando-a na testa. E ela deixou que as pálpebras caíssem, e dessa vez seriam bem vindas. Entorpeceu-se em seu sono pesado, e naquela noite sombria ela sonhou que andava, apenas sonhou.
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