segunda-feira, 18 de abril de 2011

Soldadinhos de Chumbo

"'bang, bang!'
põe o chapéu, menino
e água nessa pistola
brinca direito, sem palavrão,
mas faz o favor de não se molhar"

A esperança de estar fora daquele lugar em alguns dias era presente a todo instante, apesar de segundos de incredulidade pelos quais eu rapidamente passava. Um arrepio tomava conta de mim nas mais opostas situações: na barraca, na mesa improvisada, no movimento de continência e numa simples cerca de arame farpado – que em especial me descontrolava, pois era o que nos mantinha longe do controle de nossas vidas.
Se a guerra é uma arte, a identifico como a da manipulação em que não há nada exatamente a se perder. Afinal, se a vida é o bem mais precioso e é desperdiçado em todos os cantos dela, não devo bem-dizer sobre a mesma. Mas considero que essa não é uma questão a se tratar em conjunto: cada um por si sob a falsa imagem de amor patriótico e luta coletiva em prol de um bem maior configurado num sintoma de fraternidade identificada.
Desses irmãos, alguns foram protegidos por cercas e acampamentos bem montados sob as florestas densas. Para que não chamássemos atenção uma pequena fogueira. E um dos irmãos, um Tenente, meu Senhor – e apossado do meu destino – me convidou a conversar. Não recusei apesar do cansaço que teimava cair sobre meus músculos já tão rígidos.
Esperei minutos do lado de fora da cabana, esperando-o e um subordinado que eu conhecera no Colégio Militar me avisou que eu podia entrar. Respondi com um sorriso, mas não obtive qualquer outro sinal amistoso. A situação estava explosiva e nenhum bom homem ou amigo de infância ou de guerra deveria se preocupar com o outro se fosse possível a ele sair dali.
Como um bom soldado, não demonstrava o cansaço sobre os meus olhos e senti parte da admiração de meu senhor. Uma missão de sucesso rende bons frutos ao longo de uma guerra. “Obrigado, meu rapaz, a cada vitória me sinto mais perto do fim deste inferno”, falou para mim. Avisei em estado de continência que eu só havia feito o meu trabalho diante do país. Ele apenas sorriu. Sabia tanto quanto eu que meu objetivo era o de sumir dali.
Começou a falar sobre a próxima missão e mostrou-me uma prancheta rabiscada de giz, revelando a mim a liderança da ação. Perguntou minha opinião e busquei não encontrar um defeito, mas meus sentidos me levaram a uma pequenina falha que se referia ao tempo, tal coisa que se resolveria retirando uma dezena de homens de um determinado lado. Observei da região que se tratava e expressei erroneamente surpresa quando vi casas de civis e orfanatos. O Tenente apenas sorriu, ainda pensando sobre minha primeira percepção e apagou alguma coisa com o punho cerrado anotou o que eu falara, ignorando o segundo ponto. “Se der certo, prometo que você volta pra casa em menos de uma semana”. Meus olhos quiseram pular de lágrimas, comoção e até me permiti cogitar abraços, mas rigidamente respondi com um baixo obrigado e assenti com a cabeça num gesto robótico.
Notando um desespero contido o homem tocou-me nos ombros e falou como se estivera na rádio de um governo em crise, no entanto, sem as conotações devidas: “A situação de um soldado fora de seu país é difícil e devemos deixar claro para nós mesmos que nesse conflito importam apenas nossos interesses e nosso povo. Amor à pátria. Defenderemos com nossas vidas, mas para isso lutaremos, nem que isso signifique tirar a dos outros. Todos. Não poupe ninguém e então teremos intimidado nosso adversário. E o mais importante, você estará em sua casa livre para cuidar da sua vida.”
Apesar de gelar por dentro, eu sabia que todo o flagelo que eu provocaria e passaria seria necessário. Como cidadão, patriota, como alguém que tivera que colocar interesses particulares em segundo plano para que alguém se beneficiasse com o sofrimento alheio.
Deveria eu executar com sucesso e permitir que pelo menos uma vez um narcisismo tomasse conta de mim. Respondi ao homem que eu já entendera e simplesmente saí da cabana, meio zonzo procurando minha barraca. Meu companheiro estava de olhos fechados e não dei muita importância a isso, apenas o invejando por conseguir dormir, até que ele virou-se para mim, depois de eu já ter me deitado, perguntando: “o homem já te contou o que vamos fazer?” Respondi que sim. “E as crianças? Teria coragem?” Não havia outra resposta. “E se falharmos em um primeiro momento? Se nos notarem aproximando? O orfanato, se alguma criança estiver fora da cama e simplesmente perguntar quem somos?”, já dizia soluçando.
Silenciei-me por segundos. Uma lágrima correu no meu rosto. Respondi secamente: “diga que somos brinquedos de outra criança. Diga que somos soldadinhos de chumbo.”

3 comentários:

Cynthia Brito disse...

Ai, que interessante. Gosto muito dos contos que dão um ponto final como o tema. Muito bem escrito este!
beijos!

renatocinema disse...

muito louco.

Lembrei do filme Os Heróis não Tem idade. recomendo.kkk

Cada dia melhor os contos por aqui.

Abraços

Any disse...

achei ótimo. a realidade que não é vista por todo mundo parece sempre assustadora, mas às vezes é necessária.

não que seja pra fazer 'propaganda' - tá, até é um pouco - mas visita meu blog, se puder