segunda-feira, 21 de maio de 2012
Sam
Olhinhos suplicantes. Brilhantes, carentes, encaravam os meus. Que riqueza de ser. Nunca vi mais lindo e mais frágil. Foi assim então que eu me encantei. "De fato como poderia um cãozinho daquele estar sozinho, desviando-se medroso de um monte de pés na tentativa de não ser pisoteado por aquelas pessoas que por ali passavam apressadas?", pensei. Ninguém parecia notá-lo. Mas entre a multidão de gente, nossos olhares se encontraram. E foi definitivo.
Fui me aproximando lentamente após vê-lo. Eu não queria que ele se espantasse. Mas eu poderia correr a passos barulhentos, que um cão como ele não se assustaria comigo. Me agachei diante dele e com toda cautela do mundo, o peguei no colo e o aninhei em meus braços. E era por isso que ele não se assustaria. Porque eu sempre achei que algo nos cães sempre sabe o que vamos fazer com eles. E ele sabia que eu o pegaria, daria colo, comida, água, e o mais importante: um lar. E estava certo.
Sam foi o nome que dei a ele. Porque o nome sempre me lembrou coragem, força, fidelidade. E a sensação que Sam me passara desde o primeiro momento, não fora nada diferente - apesar do fato de que ele era ainda apenas um filhotinho indefeso. E eu também acertei.
Porque ele me esperava chegar da escola todo dia no portão de casa; pulava em mim mesmo quando eu não estava com as melhores das roupas; deitava comigo no tapete da sala pra ver TV e dormia com a cabeça em minha barriga, enquanto eu a acariciava; toda vez que ouvia meu choro, que sentia alguma vibração triste partindo de mim, sentava aos meus pés e não saía dali, a não ser que eu levantasse. Então ele me seguia pra onde quer que eu fosse. Ele estava sempre ali comigo. No riso, no conforto, no choro, no desespero... E acariciá-lo, de alguma forma me acalmava. Quando minha mãe gritava comigo ele começava a latir. Ele me defendia, e isso era a coisa mais linda do mundo.
Tudo foi voltando em minha memória, e eu fui revivendo como se não houvesse mais nada além do que já passamos juntos. A cada segundo de lembrança boa eu sentia a saudade como uma faca afiada atravessando meu peito.
Sentada no asfalto, apertei meus próprios joelhos no peito depois de ter deitado minha cabeça sobre seu corpo e chorado a maior dor que eu já senti.
Era segunda-feira e naquele dia quando meu ônibus da escola apontou na esquina, avistei o portão de casa aberto. Alguém devia ter esquecido. Num deu dois segundos vi Sam passando por ele a toda. Sorri quando o vi correndo ao meu encontro, com suas orelhinhas balançando ao vento, o rabo em pé, e ele todo empolgado pela fuga de casa e pelo encontro comigo. Mas num repente um carro também surgiu a toda por trás dele, que vinha correndo bem no meio da rua, e...
Gritei forte e solucei chorando, inconsolável. Doía como se fosse eu. Não, doía como se fosse... Não, não tem explicação de como doía. Senti-me um copo de cristal bem fino sendo lançado ao chão. Quebrada, sem vida, sem sentido, despedaçada.
E como seria diferente se eu acabara de perder o melhor amigo do mundo?
“Já sinto sua falta, Sam. Mas eu sei que de alguma forma ainda estará comigo, porque sempre esteve não é, meu amigão? Eu te amo!”, sussurrei baixinho voltando a deitar minha cabeça sobre ele. Mais lágrimas me queimaram a face. E lembrei novamente de quando aqueles olhinhos me encantaram pela primeira vez. Aquietei-me sem dizer mais nada. Tal lembrança me transbordava de saudade e me tomava todas as palavras.
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